Quem Quer Ser um Milionário?, longa-metragem do cineasta britânico Danny Boyle (de Trainspotting), vencedor de oito Oscar, entre eles melhor filme e direção, passados 11 anos de seu lançamento, nos permite ver hoje como um de seus maiores méritos – este possivelmente involuntário – foi o seu senso de ocasião.
Baseado em Sua Resposta Vale um Bilhão, romance de Vikas Swarup, a produção custou apenas US$ 15 milhões e, no papel, parecia fadada a encontrar espaço apenas no limitado circuito de títulos independentes. Mas, desde que foi exibido pela primeira vez em 2008, no Festival de Toronto, vitrine dos lançamentos de fim de ano no mercado da América do Norte, tornou-se um fenômeno midiático.
Do nada, o filme assumiu o papel do “pequeno grande filme” que poderia virar o jogo do Oscar e demais premiações de fim de ano. Para desespero dos produtores de títulos até então citados como favoritos ao prêmio da Academia, sobretudo O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher.
Enquanto a economia mundial chafurdava numa crise sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial, Quem Quer Ser um Milionário? vinha, esfuziante e sem o peso das expectativas, na contramão. E com um discurso de esperança e triunfo diante das adversidades, olhando para um mercado gigantesco do outro lado do globo: a Índia.
Enquanto a economia mundial chafurdava numa crise sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial, Quem Quer Ser um Milionário? vinha, esfuziante e sem o peso das expectativas, na contramão.
O longa de Danny Boyle conta a história de Jamal, um órfão miserável das favelas muçulmanas de Mumbai, maior cidade indiana, e de seu irmão, Salim. Graças à sua brilhante inteligência, o personagem (o estreante Dev Patel, na idade adulta) fica rico participando do programa Who Wants to Be a Millionaire?, que no Brasil já teve encarnações comandadas por Silvio Santos e Luciano Huck.
Quem Quer Ser um Milionário? não poderia soar mais trivial e previsível. Acontece que a trama, uma clássica história de Cinderela, nas mãos de Danny Boyle e do roteirista Simon Beaufoy, também oscarizado, se transfigura. Ganha um estilo narrativo “moderno”, eletrizante e extremamente visual, ocidentalizado. A Índia, país com frequência distorcido pelo olhar ocidental, surgiu nas telas mundo afora com cores supostamente realistas e cheio de matizes, a despeito do olhar exótico de Boyle.
Vê-se da potência emergente, celeiro de grandes talentos da computação, até a miséria que leva milhões a viver nas ruas, sem acesso a redes de esgoto ou a remédios. Mas Quem Quer Ser um Milionário? também se ocupa de outros segmentos dessa sociedade, retratando os (não poucos) milionários do país, que dirigem Mercedes Benz e Audis, vivem em condomínios fechados luxuosos e mandam seus filhos estudarem na Europa (sobretudo no Reino Unido) e nos Estados Unidos.
Não fica de fora a forte indústria de cinema de Mumbai, chamada internacionalmente de Bollywood, que emerge, em grande estilo, nos fantásticos créditos finais do filme.
O mérito de Quem Quer Ser um Milionário? é ter conseguido sintetizar, para o Ocidente, sempre sedento por novidades bem embaladas, a complexidade dessas várias Índias por meio da história de Jamal, um Oliver Twist (personagem da história clássica de Charles Dickens) oriental que transita pelo crime, vive de favores e, por conta de sua inteligência e da curiosidade, consegue sobreviver à miséria e alçar vôos inesperados. E, de quebra, viver um grande amor.
A vida de Jamal, até seus 20 anos, é contada em flashbacks, entrecortados por cenas de sua participação em Who Wants to Be a Millionaire, num primoroso trabalho de edição, premiado com o Oscar.
Aos poucos, à medida que avança, sempre dando as respostas certas no programa, ele se torna um herói nacional, uma prova viva que nem todo destino é selado numa sociedade tão estratificada.
As imagens do seu passado revelam como ele aprendeu tudo aquilo, contam como e por que adquiriu tantos conhecimentos. É um conto de fadas irresistível feito sob encomenda para o mundo pós-crise econômica de 2008.
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