Debater setores de mídia é algo que o cinema historicamente se propõe a fazer. De Cidadão Kane a Spotlight, o jornalismo e o aparato midiático sempre foram objeto de discussão em longas-metragens. Enquanto arte, o cinema tem a capacidade de se distanciar do puro e simples entretenimento, se permitindo questionar e criticar grandes corporações midiáticas, principalmente televisivas. É nisso que se apoia Rede de Intrigas, de 1976, dirigido por Sidney Lumet.
Com roteiro de Paddy Chayefsky, o filme se estabelece a partir de Howard Beale (Peter Finch), âncora de um telejornal da rede UBS, que, ao receber o aviso prévio de sua demissão, anuncia que irá cometer suicídio ao vivo. Após uma retratação fora do planejado no programa seguinte, a chefe da programação da rede, Diana Christensen (Faye Dunaway), enxerga potencial em Howard para ser uma espécie de profeta ultrarrealista, e que precisa continuar no ar com um programa de opinião.
Tudo isso em meio a forte oposição de Max Schumacher (William Holden), melhor amigo de Beale e chefe da divisão de jornalismo da UBS, além de disputas de interesses entre Schumacher e o principal executivo da empresa, Frank Hackett (Robert Duvall), que está prestes a fazer um negócio milionário com árabes magnatas do petróleo.
Lumet faz questão de praticamente iniciar o filme com planos evidenciando a magnitude de vários prédios de corporações televisivas, dando, logo de cara, a força e o destaque que o jogo corporativo terá na narrativa.
Além disso, o cineasta rapidamente estabelece as relações de poder entre seus personagens basicamente posicionando-os em cena, seja a partir da relação de pé/sentado, ou colocando o personagem dominante como centro das atenções de uma roda.
O diretor ainda é enfático a dar um ar mafioso a Frank Hackett, limitando sua câmera à entrada da sala do executivo, mas nos impedindo de passar da porta. Algo parecido com o que Francis Ford Coppola havia feito em O Poderoso Chefão quatro anos antes.
O que Rede de Intrigas tem de mais fascinante é que nunca deixou de ser atual. Na década de 1970, o longa já discutia novas diretrizes jornalísticas.
Esteticamente, o longa é pastel à exaustão visual. Os tons sem vida alguma de cinza, bege e marrom claro dão a tônica dos escritórios da UBS, enfaticamente criticando as corporações televisivas do ponto de vista de seu conteúdo, extremamente pasteurizado, sem densidade ou destaque.
Como aponta o visual, a alma do roteiro de Chayefsky é o estudo da televisão como um grande filtro e simulacro do real, que por sua vez não hesita em disfarçar o esgotamento e a instabilidade psicológica de um apresentador, com o objetivo de fabricar ídolos que moldam a opinião pública, e que, quando se humanizam, tiram da TV sua razão de existir.
Por isso, é interessante pensar em Howard Beal como o reflexo do espectador de seu próprio programa, visto que aquele profeta apocalíptico desajustado não passa de uma fabricação midiática suscetível a qualquer manipulação, enquanto o homem verdadeiro já deveria ter se aposentado.
Dessa maneira, Sidney Lumet é brilhante ao ressaltar, visualmente, a televisão sob a ótica de quem a realiza. O diretor nunca opta pelo simplismo de apenas mostrar telas e programas em suas versões finais. De maneira genial, Lumet imerge o espectador na estrutura do canal, realizando longas sequências em salas de swticher e estúdios de gravação, nos levando da crueza técnica ao auge do espetáculo (programas ao vivo) apenas movimentando sua câmera.
O que Rede de Intrigas tem de mais fascinante é que nunca deixou de ser atual. Na década de 1970, o longa já discutia novas diretrizes jornalísticas, pensando, de maneira bastante pessimista, em um cenário de transformação da notícia em espetáculo e de interesses corporativos suprimindo a verdade em favor do status quo. O longa ainda aborda a televisão criticando a ela mesma, modelo de conteúdo vastamente utilizado hoje, como faz, por exemplo, o comediante John Oliver, em seu programa Last Week Tonight, da HBO.
Sidney Lumet é um dos cineastas mais dinâmicos da história do cinema e Rede de Intrigas é um de seus filmes mais bem concebidos e recebidos. O longa rendeu a Lumet sua quarta indicação ao Oscar de melhor diretor -viria a receber mais uma seis anos depois-, e ainda levou o prêmio nas categorias de melhor ator (Peter Finch), atriz (Faye Dunaway), atriz coadjuvante (Beatrice Straight) e roteiro original.
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