O longa Relatos Selvagens é dirigido pelo argentino Damián Szifrón e não pelo espanhol Pedro Almodóvar. Mas bem que poderia. Aliás, esse último está presente na ficha técnica: o filme foi produzido pela El Deseo, empresa de Pedro e do irmão, Agustín Almodóvar. Fiel ao título, a película é composta por seis episódios, nos quais a palavra “selvagens” remete a um leque de características marcantes do diretor espanhol: excessos, humor negro, atitudes passionais, o trágico entrelaçado com o cômico.
Todas essas características aparecem antes mesmo dos créditos iniciais, no primeiro episódio (que, inclusive, lembra muito Os Amantes Passageiros, um dos componentes da filmografia de Pedro Almodóvar). A história tem como cenário um avião em que todos, misteriosamente, possuem alguma ligação com uma pessoa em comum. De imediato, o espectador pode ter uma ideia do que virá. O que interliga tudo? O desejo, em maior ou menor grau, de vingança.
O segundo episódio pode ser considerado o menos inspirado de todos, mas isso não quer dizer que não seja coerente com a proposta do trabalho como um todo. Ele enfoca uma garçonete confrontada com o mafioso que complicou a vida de seu pai. Na sequência, a apresentação de uma briga de trânsito com cenas violentas torna inevitável não se perguntar qual será a próxima bizarrice que surgirá na tela.
Do início ao fim, os relatos selvagens conduzidos por Szifrón fazem com que o espectador seja convidado a rir e, segundos depois, receba o golpe de uma ocorrência violenta ou dramática.
O quarto episódio tem ares de Um Dia de Fúria e traz Ricardo Darín (figura quase onipresente em filmes argentinos que chegam em terras brasileiras) no papel de um cidadão revoltado com a burocracia das multas de trânsito. Politizado, o “relato selvagem” flerta com Franz Kafka, o escritor tcheco que usa o excêntrico como metáfora para lançar críticas ao absurdo dos sistemas.
A qualidade dos relatos só aumenta com o passar do filme. Isso pode pode ser comprovado pela quinta história, que apresenta um milionário preocupado em tentar livrar o filho das complicações de um acidente. É praticamente impossível não rir do retrato absurdamente irônico da corrupção generalizada, da corrupção presente em todos os cantos. O ponto alto está no sexto episódio: uma festa de casamento com difícil previsão de desfecho.
Do início ao fim, os relatos selvagens conduzidos por Szifrón fazem com que o espectador seja convidado a rir e, segundos depois, receba o golpe de uma ocorrência violenta ou dramática. Em geral, eles evidenciam uma inteligente e bem dosada carga de sarcasmo, mesclando o trágico e o cômico em uma grande brincadeira despudorada. E provocativa, porque, entre tantas coisas, faz pensar sobre o limite frágil (e bota frágil nisso!) que separa civilização e barbárie.
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