Dirigido pelo cineasta norte-americano Todd Haynes, Segredos de um Escândalo, que agora chega aos cinemas brasileiros, se apresenta superficialmente como um drama, mas revela-se, em suas camadas mais profundas, como um filme de terror pós-modernista, que explora a performance como uma entidade predatória sob a perspectiva semiótica. O longa, intricado e emocionalmente complexo, aborda temas familiares ao diretor, tais como autoconhecimento, percepção pública, identidade, dualidade, transparência, performance, normas sociais e desvios sexuais.
As brilhantes atuações de Natalie Portman e Julianne Moore, musa frequente de Haynes, conferem ao filme um fascínio adicional, pois essas atrizes optam pela sutileza em vez da obviedade. Interpretando papéis de mulheres com objetivos opostos, elas oferecem uma dualidade intrigante: uma busca desenterrar o passado, enquanto a outra tenta enterrá-lo há duas décadas.
A trama de Segredos de um Escândalo ecoa o caso real de Mary Kay Letourneau, uma ex-professora envolvida em um escândalo de abuso sexual com um aluno menor de idade nos anos 1990, nos Estados Unidos. Apesar disso, o filme é uma obra ficcional, centrando-se nas personagens de Julianne Moore (Gracie Atherton-Yoo) e Natalie Portman (Elizabeth Berry), esta última se preparando para interpretar Gracie no cinema.
Cenas meticulosamente filmadas ressaltam a dualidade e complexidade dos personagens, como a cena em uma loja de roupas, onde um espelho posiciona Elizabeth entre duas imagens de Gracie.
A narrativa se desenrola em Savannah, no estado da Geórgia, onde Elizabeth busca compreender a autenticidade da vida que Gracie construiu com Joe Yoo (a revelação Charles Melton), seu marido, cujo envolvimento com Gracie ocorreu quando ele tinha apenas 13 anos. O filme também explora a recepção pública de histórias semelhantes, manipulando a interpretação do público por meio de escolhas subversivas e humorísticas na trilha sonora, uma característica de Haynes, diretor de filmes excepcionais, como Carol e Longe do Paraíso.
Ouvir o filme é essencial para encontrar as provas mais convincentes dessa maestria. A escolha de revisitar a partitura de O Mensageiro, clássico de Joseph Losey, vai além dos objetivos de exibição e dramatização da narrativa, sendo um golpe de mestre que expressa verdadeiramente a arte de Haynes, tecendo conexões e celebrando ecos e intervalos.
‘Segredos de um Escândalo’: espelho
Ao longo da história, Elizabeth entrevista e observa Gracie e outros personagens, buscando capturar nuances e verdade em sua performance. O espelhamento é um elemento fundamental do filme, destacando o narcisismo de Gracie, que, apesar de querer esquecer, busca protagonismo, característica compartilhada por Elizabeth.
A interação entre Elizabeth e Gracie é habilmente desenvolvida, revelando tensões e fragilidades enquanto a atriz tenta compreender a complexidade do passado de Gracie. Cenas meticulosamente filmadas ressaltam a dualidade e complexidade dos personagens, como a cena em uma loja de roupas, onde um espelho posiciona Elizabeth entre duas imagens de Gracie.
O ponto culminante do filme, no entanto, é protagonizado por Natalie Portman, em um plano que inicialmente deixa indefinido se a retrata como atriz imersa nos ensaios ou como protagonista comentando a experiência vivida ao se colocar no lugar do personagem que interpretará. A vertigem desse processo é conhecida, evocando a síndrome de São Genest, onde interpretar o outro é se expor a tornar-se esse outro.
Todd Haynes vai além do brilho de suas proezas metafílmicas, capturando a inteligência e o brilho de suas estrelas. O filme reflete o constante trabalho do diretor na replicação e na polissemia, explorando o duplo, a ciência do diálogo, a interação e jogos narrativos que resultam em uma experiência apavorante, transformando Segredos de um Escândalo também em um filme de terror, subversivo e extremamente contemporâneo.
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