Há cineastas que, além de diretores, são autores. Deixam em seus filmes digitais, marcas que, a despeito da diversidade de temas ou gêneros pelos quais sua obra transite, dela são traços indissociáveis, reconhecíveis. O italiano Sergio Leone, que morreu em 1989, aos 60 anos, é um desses criadores. E mais: sua filmografia teve e ainda tem enorme impacto sobre gerações de realizadores que vieram depois dele. Por conta da importância seminal de seu legado, o documentário Sergio Leone: o italiano que inventou a América, de Francesco Zippel, é um filme obrigatório para cinéfilos e fãs do mestre romano.
Convencional em certa medida na forma, o longa-metragem de Zippel reconstitui a vida e a carreira de Leone da infância, no bairro de Trastevere, em Roma, até seus últimos dias, quando sonhava dirigir um drama sobre a Segunda Guerra Mundial, uma coprodução entre Hollywood e a União Soviética que jamais ganhou a forma de um roteiro.
Filho da atriz Bice Waleran e do diretor Roberto Roberti, pioneiro do cinema silencioso na Itália que enfrentou o fascismo de Benito Mussolini, Leone cresceu vendo filmes. Os westerns norte-americanos, especialmente, tiveram profundo impacto sobre seu imaginário. Esse fascínio o levaria a reinventar o gênero na década de 1960, em filmes como Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens e Um Conflito (1966), a chamada “Trilogia do Homem Sem Nome”, que transformou o norte-americano Clint Eastwood em astro internacional.
Sergio Leone cresceu vendo filmes. Os westerns norte-americanos, especialmente, tiveram profundo impacto sobre seu imaginário.
Em 1968, Leone realizaria a obra-prima do subgênero western spaghetti, por ele de certa forma fundado, com o épico intimista Era uma Vez no Oeste, desta vez construído em torno de uma personagem feminina, vivida pela estrela italiana Claudia Cardinale.
A grande beleza de Sergio Leone: o italiano que inventou a América é discutir a obra de Leone, por meio de depoimentos de artistas que por ele foram enormemente afetados, senão influenciados. Participam do documentário o próprio Eastwood, o compositor Ennio Morriconne, autor das trilhas sonoras de seus filmes; o gênio do horror italiano Dario Argento, que trabalhou com Leone no início da carreira como roteirista; e os hollywoodianos Martin Scorsese, Steven Spielberg e Quentin Tarantino. Este último é descrito por Spielberg como descendente direto de Leone e traz em seu cinema, de Kill Bill a Os Oito Odiados, citações diretas ao diretor, da mise-en-scène à montagem, passando pelo uso da trilha sonora de Morricone.
Scorsese
Scorsese confessa no documentário que, de início, quando assistiu aos primeiros filmes do italiano nos anos 1960, se sentia distante do cinema de Leone. Talvez porque eram muito diferentes dos westerns clássicos hollywoodianos de John Ford, Howard Hawks, George Stevens, aos quais cresceu assistindo.
Foi quando o diretor de Taxi Driver viu estar diante de um cinema moderno, que se distanciava dos aspectos históricos e épicos dos faroestes norte-americanos, para discutir e subverter aspectos formais do gênero, criando uma linguagem cinematográfica própria, que percebeu a genialidade de Leone.
Era uma Vez na América
É especialmente tocante o trecho de Sergio Leone: o italiano que inventou a América que descreve a saga do cineasta para realizar aquele que seria seu último e, para muitos, melhor filme, Era Uma Vez na América (1984), épico de gângsteres de origem judaica nova-iorquinos que atravessa décadas, estrelado por Robert De Niro e James Woods.
O produtor norte-americano Arnon Milcher conta em detalhes o esforço de Leone para realizar exatamente o que tinha em mente e sua frustração com a decisão da Warner, estúdio por trás do projeto, de cortar o filme de suas mais de 4 horas originais para 2h45, para lançá-lo nos Estados Unidos. “Não era mais meu filme”, diz Leone, em depoimento presente no documentário. Seria seu derradeiro longa-metragem.
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