O título que Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal ganhou em terras brasileiras poderia tranquilamente ser substituído por algo como “a sedutora face da demência”. Essa cinebiografia dirigida pelo documentarista Joe Berlinger é uma versão ficcionalizada (ou nem tanto) de um dos maiores assassinos em série da história dos Estados Unidos. No caso, Ted Bundy que, provavelmente entre 1974 e 1978, matou trinta mulheres. Pelo menos é esse o número que ele acabou confessando depois de jurar inocência por muitos anos. A polícia acredita que a lista de vítimas seja mais extensa e chegue a uma centena de mulheres assassinadas em um intervalo de tempo maior que apenas entre 1974 e 1978.
O título original do filme, Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, que pode ser traduzido como “extremamente cruel, chocantemente mal e vil”, ganhou aqui um título mais sedutor. E o título adotado no Brasil é perfeitamente coerente com o ponto de vista escolhido pelo diretor para conduzir toda a narrativa. O roteiro é baseado no livro de memórias The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy escrito pela namorada de Ted Bundy, Elizabeth Kloepfer, sob o pseudônimo Elizabeth Kendall. No filme, ela é interpretada por Lily Collins. Por esse motivo, o trabalho de Joe Berlinger mostra uma aura muito mais sedutora do que cruel do criminoso.
O protagonista poderia ter seguido uma carreira brilhante, auxiliando a sociedade. Mas, por motivos desconhecidos, optou por tornar-se um ser monstruoso disfarçado de bom e belo moço. É um filme desconcertante, daqueles para se sair da sala de cinema incomodado.
A produção foca bem mais nos adjetivos positivos do protagonista do que em sua lista de atrocidades. Tanto que o filme praticamente não registra as cenas de violência de Ted Bundy e possui um viés narrativo que, não raras vezes, lança a dúvida se ele realmente foi capaz de ter realizado tudo o que se conta que ele fez. Quando se fala que um título alternativo para esse trabalho poderia ser “a sedutora face da demência”, está-se referindo ao caráter doentio da atuação do criminoso, que não incluía apenas homicídios, mas, também, estupros, e tudo isso aliado a mutilações e decapitações.
Mas a ótica adotada pela narrativa mostra o quanto o personagem central era educado, charmoso, carismático, bom marido e bom pai adotivo, dotado do dom de expressar-se bem e um esforçado estudante de direito. Tão esforçado que quando sua trajetória já estava tanto complicada quanto conhecida por multidões (o julgamento de Ted Bundy foi o primeiro da história dos Estados Unidos a ser transmitido pela televisão), ele chegou a dispensar advogados e fazer a própria defesa.
O direcionamento das lentes para essa face sedutora (que beira o “irresistível” adotado pelo título em português) abre margem para questionamentos e críticas a respeito da conduta ética de se glamourizar a violência. Ou de se lançar a dúvida sobre a existência dos crimes que um dos serial killers mais conhecidos acabou confessando antes de ser condenado à morte na cadeira elétrica.
Feitas as considerações sobre as questões éticas, convém comentar que, como obra de arte, o filme tem várias qualidades: a ordenação das cenas (didática e fundamentada em vários flashbacks), a fluência da história, a naturalidade dos diálogos e a entrega nas interpretações. Zac Efron está muito bem no papel do protagonista, assim, como John Malkovich interpretando o juiz Edward Cowart.
O julgamento, aliás, é um dos momentos marcantes do filme. Ao personagem de John Malkovich coube um dos destaques. Em meio às palavras proferidas para a sentença, o juiz expõe o que, certamente, boa parte do público já deve estar pensando àquela altura da projeção: “que desperdício de talento e humanidade!” O protagonista poderia ter seguido uma carreira brilhante, auxiliando a sociedade. Mas, por motivos desconhecidos, optou por tornar-se um ser monstruoso disfarçado de bom e belo moço. É um filme desconcertante, daqueles para se sair da sala de cinema incomodado.
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