Quase todo mundo tem um filme que guarda com carinho adaptado da extensa obra de Stephen King. Então, a afirmação que faço no título deste texto pode caber a diferentes obras. Coloco O Telefone do Sr. Harrigan neste posto por uma razão que julgo ser procedente.
A despeito de outros, o longa-metragem adaptado e dirigido por John Lee Hancock (de Um Sonho Possível), conta com o peso de ser distribuído mundialmente pela Netflix, em um cenário que as plataformas de streaming são o primeiro contato de muitos novos cinéfilos com diretores e artistas.
Também não é de se esquecer que o longa foi produzido pela Blumhouse, marca forte e consistente dentro do terror, e teve os direitos adquiridos por ninguém menos que Ryan Murphy, o nome do gênero na TV.
‘O Telefone do Sr. Harrigan’: adaptação de conto recente
Em abril de 2020, Stephen King publicou uma coleção de contos inédita, chamada Com Sangue (Editora Suma, 2020). Dos quatro textos que integravam a obra literária, três tiveram seus direitos comprados de imediato: “O Telefone do Sr. Harrigan”, “A Vida de Chuck” (Darren Aronofsky) e “Rato” (Ben Stiller).
Entre todos, o que os une é a expressão deturpada de sentimentos como amor, amizade e justiça, e seus protagonistas, inteligentes e complexos, mas cuja vida acaba transformada por algo inexplicável.
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O roteiro de Hancock e a maneira como conduz sua direção, sempre sutil e delicada, colocam O Telefone do Sr. Harrigan no meio do caminho entre Conta Comigo e demais obras do Rei do Terror.
Para os fãs mais fervorosos do trabalho do escritor, o filme original Netflix pode parecer realmente suave e menos memorável, quase como uma espécie de drama com tons sobrenaturais.
Paternidade, amizade e tecnologia
Na trajetória de King, tratar a relação pai/filho, a amizade ou lançar olhar para como lidamos com tecnologia não são novidades.
O filme acompanha Craig (Colin O’Brien) desde quando era uma pequena criança, que perde a mãe, vítima de câncer, em 2003. O pai do garoto (interpretado por Joe Tippett), cujo nome nunca é citado, faz um grande esforço em oferecer o melhor ao filho, mas é com o Sr. Harrigan (Donald Sutherland), que a relação pai-filho parece se estabelecer.
O Sr. H é um velho magnata bilionário que contrata Craig para que lhe faça companhia na leitura de livros nas tardes após a escola, A paixão pela leitura constrói uma ponte entre os dois, que estreita a distância etária, preenchendo o abismo que poderia existir com muito Charles Dickens e Dostoiévski.
O arranjo parece ser bom para ambos, mas a proximidade acaba criando intimidade entre eles. O Sr. Harrigan adquire o hábito de incluir bilhetes da loteria para Craig, que em uma das situações, se vê premiado com US$ 3 mil (aqui, já interpretado pelo jovem ator Jaeden Martell).
Agora adolescente, Craig acompanha o surgimento dos smartphones, cuja posse pode retirar um jovem do esquecimento e torná-lo popular. Essa se torna a motivação para que use parte do dinheiro que ganhou para adquirir um recém-lançado iPhone.
Mas o garoto precisa lidar com outras questões além da popularidade. No novo colégio, torna-se alvo de bullying por parte de Kenny (Cyrus Arnold), o valentão da escola.
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À parte da vida íntima, Craig não deixa de se importar com o Sr. H e de querê-lo bem. Em certa ocasião, presenteia o amigo com um smartphone, e esse momento é um divisor de águas na trama.
Não demora até que o velho bilionário morra de causas naturais. Em um gesto de sensibilidade e carinho, o menino coloca o celular no bolso do paletó com o qual Harrigan foi enterrado. A partir de agora, os aspectos sobrenaturais dão as caras no longa.
Incomodado com o bullying que sofre, o menino encaminha uma despretensiosa mensagem ao celular do amigo falecido, que responde. Apesar de assustado, a relação deles toma um novo rumo, mais macabro.
Na trajetória de King, tratar a relação pai/filho, a amizade ou lançar olhar para como lidamos com tecnologia não são novidades. Em livros como O Iluminado, Celular e Quatro Estações (onde está o conto “Conta Comigo”), o escritor trabalhou com esses temas. Logo, o livro/filme trafega em um caminho conhecido pelo público.
O problema é que Hancock é um diretor mais acostumado ao drama, e se mostra pouco interessado pelas mecânicas dos thrillers e do horror. Embora O Telefone do Sr. Harrigan funcione como está, é um terror desanimado. Sem reviravoltas, a apresentação é direta, sutil, admirável em um título com 1h46 de duração. Todavia, fica bem aquém das melhores adaptações de King. Por sorte, não é nem de perto a pior.
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