O cinema, quando explorado de forma inventiva, presta-se não apenas como um espetáculo aos olhos e aos ouvidos, mas a uma experiência sensorial mais ampla. Tinnitus, longa-metragem brasileiro dirigido por Gregorio Graziosi, aventura-se nessa seara mais arriscada ao nos entregar uma obra que vai muito além da história.
Mais do que consumir a trama envolvendo Marina Lenk (interpretada pela atriz Joana de Verona), é necessário senti-la esteticamente. Ela é uma atleta de ponta dos saltos ornamentais. Sua parceira é Luísa (Indira Nascimento), e juntas elas rumam um caminho triunfante para as Olimpíadas de Tokyo.
Até que algo acontece: Marina tem uma crise grave de tinnitus (distúrbio caracterizado pelo zumbido constante no ouvido), o que faz com que se desconcentre e sofra um acidente num salto. Acaba se afastando do esporte, decisão que gera uma grande revolta de Luísa.
Anos depois, Marina trabalha como sereia num aquário e faz um tratamento para tinnitus em um centro especializado. Ela namora o médico do centro (André Guerreiro Lopes), mas se vê aos poucos acometida pelos seus desejos, que ainda não são compreendidos.
O que se vê, ao longo da trama, é uma mulher atormentada e encurralada: pelo seu desejo ainda não reconhecido de talvez voltar às piscinas; pelo namorado, sutilmente controlador, que ministra os remédios que param o ruído, mas tolhe suas possibilidades criativas; pela antiga parceira, que se ressente de ter sido abandonada, pois a decisão de Marina teria trazido prejuízos à sua carreira.
Mas os desejos não podem ser controlados por muito tempo. A calmaria da sua vida atual logo começar a dar espaço para que ela busque, mesmo sem nenhum apoio, encontrar a si mesma. Uma outra personagem, Teresa (Alli Willow, de Bacurau), que é a nova parceira de Luísa, também terá uma função importante de confrontá-la com aquilo que ela carrega, mas ainda não consegue nomear.
‘Tinnitus’: uma obra sensorial
A sinopse narrativa de Tinnitus é apenas a primeira parte do filme. A outra parte diz respeito à experiência estética construída cena a cena, a partir de diversos recursos que tornam esta obra um deleite, e não apenas para os olhos.
Tinnitus pretende ser também uma experiência aos ouvidos, tentando explorar o que sente uma pessoa que convive com um zumbido permanente.
Sem dúvida, a primeira coisa que chama a atenção é a direção de fotografia, assinada pelo português Rui Poças (no Festival de Cinema de Gramado de 2022, o longa foi premiado nas categorias Melhor Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Direção de Arte).
Há uma intenção clara de situar esta história na beleza árida da chamada “selva de pedra”, na fluidez da água, no minimalismo da cultura nipônica e na estética vintage associada a um esporte como os saltos ornamentais. Isto tudo também transparece nos figurinos e nos enquadramentos escolhids para o longa.
São Paulo, inclusive, aparece no filme de Gregorio Graziosi mais graciosa do que nunca. Há cenas em que a cidade acaba configurando quase como um personagem, quando vemos imagens do vão do MASP, do bairro da Liberdade, de prédios com grandes estruturas de concreto e os tetos dos arranha-céus.

E, por fim, Tinnitus pretende ser também uma experiência aos ouvidos, tentando explorar o que sente uma pessoa que convive com um zumbido permanente – o que, muito provavelmente, é uma sensação infernal. A ideia deste “inseto” interno aparece logo nas imagens iniciais do longa e é reiterada em outras histórias, caracterizadas na presença ilustre de Antonio Pitanga, que vive Inácio, outra vítima do tinnitus.
O zumbido constante aparece em vários momentos – às vezes, de modo sutil; em outros, bem explícitos. O que torna Tinnitus um filme meio paradoxal: a fotografia faz com que ele seja perfeito para as telas grandes do cinema, mas o aspecto sensório é possivelmente melhor explorado quando o assistimos usando fones de ouvido.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.