O cineasta sueco Ruben Öslund faz um cinema que divide opiniões, talvez porque seus filmes gritem mais do que falem, e pequem pela falta de nuances, de sutilezas. Não há dúvidas de que o diretor é um provocador, um polemista, o que, para muitos, drena a força artística de sua obra, que inclui longas-metragens como Força Maior (2014) e The Square (2017), que lhe deu sua primeira Palma de Ouro no Festival de Cannes. Seu trabalho mais recente, Triângulo da Tristeza, nesse sentido, não poderia ser mais exemplar.
Também vencedor da Palma de Ouro, e agora indicado a três Oscar – melhor filme, direção e roteiro original –, Triângulo da Tristeza lança um olhar bastante cáustico em direção à sociedade europeia contemporânea, estratificada em classes, materialista ao extremo e incapaz de se olhar no espelho, de se autocriticar. De quebra, Öslund satiriza, também, a superficialidade do mundo da moda e dos influenciadores digitais, que, no seu entendimento, estariam a serviço dessa ordem social patológica, para retroalimentá-la.
Dividido em três atos, Triângulo da Tristeza primeiro vira do avesso, em seu prólogo, os bastidores da publicidade e da indústria da moda. É quando ficamos sabendo o significado do título do filme: o tal triângulo seria o espaço da testa, sobre o nariz e entre as sobrancelhas, que seria utilizado por modelos para expressar diferentes emoções, dependendo do cliente.
Marcas populares e acessíveis, como a H&M, pediriam semblantes mais felizes e leves. Já grifes sofisticadas, como Balenciaga (Prada ou Armani), iriam na direção contrária, exigindo expressões fechadas, tristonhas ou até mesmo indiferentes, indicando superioridade.
Dividido em três atos, Triângulo da Tristeza primeiro vira do avesso, em seu prólogo, os bastidores da publicidade e da indústria da muda.
Nesse primeiro terço do longa, o filme nos apresenta aos modelos e influenciadores Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean, que morreu em 2022). Eles formam o casal de namorados que parece existir mais por conveniência do que por qualquer razão mais sentimental ou subjetiva.
Há uma sequência bastante emblemática no início do filme, na qual os dois, à mesa de um restaurante sofisticado, travam um duelo verbal em torno de questões que passam por quem vai pagar a conta e pelas vaidades e carreiras de ambos. Eles competem um com o outro.
No segundo ato, que se passa a bordo de um cruzeiro de luxo, o mesmo casal, sempre muito preocupado em produzir conteúdo para as redes, divide espaço com turistas endinheirados, não necessariamente refinados. Entre eles, um ruidoso grupo de russos milionários, do qual faz parte o oligarca mafioso Dimitry (o ótimo ator croata Zlatko Buric), para quem absolutamente tudo e todos estão à venda, inclusive o capitão americano do navio (Woody Harrelson), que, deprimido, passa a maior do tempo bêbado em sua cabine, até emergir com um inesperado discurso anticapitalista. Estão, portanto, à deriva.
A viagem em alto-mar sofre um revés quando o navio é atingido por uma super tempestade, que além de enjoos e vômitos generalizados, levará a embarcação ao naufrágio e ao terceiro ato de Triângulo da Tristeza, quando os sobreviventes julgam estar perdidos numa ilha deserta. Nesse não espaço, os jogos de poder se invertem e a tripulante Abigail, imigrante filipina interpretada com fúria por Dolly De Leon, ascende como figura déspota e oportunista de poder. Seria a vingança da classe trabalhadora?
Öslund, que já havia satirizado em The Square o universo da arte contemporânea, e sua relação promíscua com os donos do poder e do dinheiro, usa estratégias semelhantes em Triângulo da Tristeza.
Para tecer sua alegoria contra a superficialidade e a crueldade da ordem capitalista, na qual os muito ricos e seus agregados acreditam que tudo podem, o cineasta sueco recorre a arquétipos, quase caricaturas. São personagens rasos, em cena menos por motivações próprias, dramaticamente consistentes, e mais para sustentar a tese defendida pelo diretor.
Embora tudo se encaminhe para o terceiro ato, no qual as máscaras sociais caem, ou são aparentemente trocadas, o ápice do filme, quando seu potencial de crítica social parece atingir o alvo, está no segundo terço, quando os personagens centrais estão à bordo do cruzeiro.
As situações apresentadas pelo roteiro são tão absurdas, e ao mesmo tempo hilariantes, que é impossível não gargalhar (de nervoso!) e embarcar no delírio de Öslund. No todo, porém, Triângulo da Tristeza resulta irregular, ainda que sempre muito provocativo, e os três atos não parecem ter uma unidade narrativa coesa. Isso pode ter a ver com o fato de os personagens serem unidimensionais ou com o humor iconoclasta, porém calculado, do cineasta, que aponta muitos dedos, inclusive para si mesmo.
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