Mais uma vítima da transformação de quadrinhos em filmes, Venom é a prova de que algumas ideias interessantes não evitam uma catástrofe quando trabalhadas de forma medíocre.
Novo e decepcionante projeto do diretor Ruben Fleischer (Zumbilândia), o longa traz Tom Hardy no papel de Eddie Brock, respeitado jornalista investigativo, que, em uma de suas reportagens, tenta expor e derrubar o obscuro Carlton Drake (Riz Ahmed), jovem milionário, fundador da Life Foundation, gigante do ramo farmacêutico. Em meio às investigações, o corpo de Brock se funde com o parasita alienígena Venom, uma estrutura gosmenta e disforme, que, ao encontrar um bom hospedeiro, ganha consciência, uma forma reptiliana-humanoide e dá superpoderes a quem o recebe.
O filme até cria, ao estabelecer o antagonismo entre Brock e Drake, um simpático paralelo com a atualidade ao traçar o magnata como um excêntrico e inventivo empresário, que, após ganhar muito dinheiro com seu projeto inicial, resolve apostar em exploração espacial, em escancarada inspiração em Elon Musk. Entretanto, por trás do visionário, está uma companhia que usa moradores de rua e enfermos como cobaias, mas sempre dando a si mesma uma imagem progressista. Ao tentar expor a sombria realidade da Life Foundation, Eddie Brock é rechaçado e demitido, criando aí o único caminho pelo qual desenvolvemos empatia com o personagem, afinal de contas, é alguém que perdeu emprego e namorada por fazer o que considerava sua obrigação enquanto jornalista.
A única coisa que evita o desastre completo é o talento de Tom Hardy, que, além de ter uma tormenta inerente à sua fisionomia, dá ao personagem um tom irônico e contundente de resignação, com um quê de Deadpool.
Mesmo assim, o roteiro, escrito por Jeff Pinker, Scott Rosenberg e Kelly Marcel, consegue tomar de assalto todo o potencial de seus personagens à medida que tenta engrandecer os poderes de Venom. Podendo, inicialmente, ser até interpretado como uma metáfora para algo que controla e aliena os humanos na sociedade atual, como culpa ou ódio, a tomada de consciência da gosma simbiótica joga qualquer metáfora inteligente pro espaço e transforma o personagem chave do filme em uma voz interior clichê, irritante e com humor desnecessário. Além disso, nos momentos em que podemos ver o aspecto grotesco e aterrorizante da criatura, a direção atrapalhada de Fleischer nos rouba essa experiência também. Planos médios e próximos à exaustão, atrelados a uma câmera em acelerado e incessante movimento, impedem que tenhamos uma noção real da magnitude de Venom.
Com o enfraquecimento gradual dos personagens e com a supressão de qualquer conflito humano minimamente interessante – o famoso “não ter pra quem torcer”-, resta ao espectador tentar se impressionar com os pretensiosos efeitos visuais em câmera lenta inseridos pontualmente em sequências de combate entre dois monstros humanoides de difícil distinção, graças à fotografia exageradamente sombria de Matthew Libatique (Nasce uma Estrela, Cisne Negro), que raramente erra a mão nas lentes. No fim das contas, a única coisa que evita o desastre completo é o talento de Tom Hardy, que, além de ter uma tormenta inerente à sua fisionomia, dá ao personagem um tom irônico e contundente de resignação, com um quê de Deadpool.
Venom fracassa em tudo o que se propõe a ser. Desgovernado, o filme esbarra nos super-heróis enquanto flerta com o anti heroísmo e o estudo de personagem, sem ser efetivamente nenhum. Com certeza não era assim que Ruben Fleischer gostaria de preparar seu público para o aguardado Zumbilândia 2, com lançamento para 2019.
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