A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell é um daqueles filmes aos quais se assiste, sem muitos traumas, com os olhos bem abertos, para não perder qualquer detalhe de sua exuberante construção visual. O design de produção, que envolve desde a direção de arte e figurinos até os efeitos especiais, criam uma geografia espetácular: uma Tóquio (talvez) que faz lembrar a Los Angeles neonoir de Blade Runner – O Caçador de Androides (clássico de Ridley Scott), ao mesmo tempo opressiva e fascinante do ponto de vista estético. Pena que o roteiro de Jamie Moss e William Wheeler não consiga utilizá-la como cenário para uma trama mais consistente.
Esse universo tem como ponto de partida um mangá criado por Masamune Shirow e que, mais tarde, originou um anime, então desdobrado em continuações e outras obras que derivaram do título original. A Vigilante do Amanhã, de Rupert Sanders (de Branca de Neve e o Caçador) é uma tentativa de, em um único filme, empacotar tudo isso, dando-lhe um paladar globalizado (para não dizer ocidental), no qual as raízes nipônicas, embora presentes e identificáveis, se diluem, em um típico processo de apropriação cultural, digamos, menos cuidadoso. É, portanto, belo, mas um tanto oco, desprovido de essência.
Major, assim como seu cérebro, parece estar aprisionada a uma trama mecanizada que, se contada com mais complexidade, faria dela uma personagem bem menos unidimensional e mais interessante.
A trama gira em torno da protagonista, vivida por Scarlett Johansson (de Lucy e Encontros e Desencontros), espécie de criatura híbrida – meio humana, meio máquina -, resultado de experimentos da corporação Hanka. Com o nome de Major Mira Killian, ela é uma androide que abriga o cérebro de uma jovem, supostamente vítima de um atentado terrorista. Com uma memória limitada, e talvez implantada propositalmente, ela agora serve a Seção 9, encarregada de combater ameaças à ordem mundial. Está programada para matar, mas sua dimensão humana pode ser obstáculo para atingir a eficiência absoluta.
Um dos “inimigos” a ser combatidos é Kuze (Michael Carmen Pitt, de Os Sonhadores), suspeito pelo assassinato de cientistas ligados a um projeto específico da Hanka, mas ele também pode ter alguma conexão com o passado obscuro de Major. É um personagem que sugere ambiguidade, algo que o roteiro um tanto previsível de A Vigilante do Amanhã não dá conta de revelar aos poucos, de forma mais sutil. Ao contrário do visual do longa, super elaborado e instigante, a trama peca pela obviedade, e ausência de uma maior transcendência.
Major, assim como seu cérebro, parece estar aprisionada a uma trama mecanizada que, se contada com mais complexidade, faria dela uma personagem bem menos unidimensional e mais interessante. Scarlett Johansson não tem muito o que fazer com sua protagonista, excessivamente robótica. A produção, vale dizer aqui, foi acusada de whitewashing (branqueamento), por não ter dado o papel principal a uma atriz de origem japonesa, o que, vocês verão, faria muito mais sentido.
Há outros exemplos de desperdício no elenco: a francesa Juliette Binoche (de O Paciente Inglês) até tenta emprestar mais texturas à sua personagem, cientista que liderou a equipe que criou Major; o ator e diretor “Beat” Takeshi Kitano (de Fogos de Artifício), apesar de muito carismático, também parece perdido em meio a uma teia narrativa que não lhe dá a oportunidade de brilhar como merece.
A Vigilante do Amanhã, no entanto, tem seus inegáveis méritos estéticos, e, como espetáculo audiovisual, é arrebatador e acaba valendo o ingresso, ainda que a saga distópica que pretender ser fique no meio do caminho.
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