Eu e o restante do público presentes na sala 04 do Cinesystem, no Shopping Curitiba, quase infartamos. Por 20 minutos, correu na veia de todos uma angústia que gelava a alma. Onde estaria Mossa Bildner? Precisamente às 20h20, vestida de preto e com um adereço vermelho na cabeça, elegante e altiva, a dama Mossa pisou no terceiro piso do shopping. Entre pedidos de desculpas, beijos e abraços, inclusive neste que vos escreve, entramos em contato com a personagem ímpar, da noite e do festival. A boca secou, a mão tremeu. Glauber parecia estar ali. Tinha certeza que estava.
O Cinesystem, mesmo sem o glamour intimista do Espaço Itaú de Cinema, viveu uma noite histórica para o cinema mundial. Aly Muritiba, ao iniciar a fala anterior à exibição, também era um fã, espectador. Talvez uma função diferente da que estivesse acostumado, mas que cumpriu com elegância. Com microfone em riste, deu início ao espetáculo. Primeiro os agradecimentos a quem, de alguma forma, havia contribuído para que esta catarse coletiva acontecesse. Saravá Cris Castilho. Evoé Paulo Camargo. Naquele momento queria poder abraçá-los.
Como um dançarino, Muritiba executa o pasodoble e entrega o microfone a quem de direito. A noite é dela, não nossa. Mossa suavemente agradece. “Não, Mossa, repito. Obrigado tu, dona moça”, penso, mentalmente. De volta ao seu assento, evidentemente emocionada, ela reencontra seu amor, sua alma, seu Glauber.
Durante quase quarenta minutos, Glauber Rocha voltou a nos colocar em transe.
Durante quase quarenta minutos, Glauber Rocha voltou a nos colocar em transe. A trilha sonora da montagem, feita em parceria com William Biagioli, era propícia. A ginga tribal envolvia a todos, fixos, com os olhos secos pela escolha de não piscá-los. Quem se atreveria a perder um segundo sequer deste registro? Era mais fácil rasgarem ou queimarem dinheiro.
Com o pescoço inclinado ao lado, como que recostando a cabeça em um ombro, mesmo sem a presença de ninguém, entrei em contato com meus próprios sonhos, anseios. Para compreender o que aqueles recortes em Super 8 diziam, você seria obrigado a entrar em contato com suas fragilidades. Perceber que no próximo reside a essência de uma vida baseada na curiosidade e no apreço pelo desconhecido, pelo estranho. Fui então a Marrocos. Percorri as vielas, as ruas. Senti o cheiro dos temperos, toquei os tecidos, abracei completos desconhecidos e com eles dancei a trilha de A Vida é Estranha.
A trilha mudou. Na suavidade das notas e do timbre da própria Mossa, somos pegos pela mão. Entendi aí, que no dia dos namorados, fazia sentido a exibição do filme, afinal, era o registro de uma história de amor, contada, literalmente, pelo olhar do casal enamorado. “A importância das pessoas que passam por sua vida”. Até Clarice Lispector passou por aqui, musicada por Mossa. E que importância amigos.
Glauber Rocha não era um homem comum. Esse moço de Vitória da Conquista estava à frente de nosso tempo. Mossa e Glauber me deram uma lição nesta noite. A vida, ela é linda quando simples. A vida, ela é assim, o retrato de um olhar, um enquadramento, um momento. Dormi uma pessoa melhor.
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