Após 90 filmes, encerramos mais uma cobertura do Olhar de Cinema, a quinta do festival. A Escotilha nasceu quase no embalo da penúltima edição. Para este ano, o esforço foi maior. As sessões estavam mais próximas umas das outras, o que fez com que a equipe tivesse que se desdobrar. Mas, afinal, qual é o legado deixado pelo festival?
Próximo dos minutos finais de São Paulo S/A, comecei a me fazer a pergunta que dá título a este texto. Algumas coisas, parece-me, ficam mais evidentes a cada edição que passa. Curitiba precisa criar mecanismos para oferecer filmes que estejam fora do circuito comercial. Veja bem, não é uma crítica aos filmes exibidos atualmente, é uma crítica à falta de programadores de filmes alternativos.
A existência deste tipo de filme passa, obrigatoriamente, pela existência de blockbusters. É o círculo da vida do cinema. Não foram poucos os comentários de espectadores a este respeito. Curitiba, uma cidade sem um cinema de rua sequer, sente falta de salas que ofereçam películas que ampliem nossa visão de mundo. Então, estas são duas certezas que partem do festival: precisamos ampliar nossa visão de mundo; precisamos de um circuito alternativo.
‘Você tem outra percepção [de um filme] em uma sala de cinema. Deixa de ser um filme, vira uma experiência.’
Fica evidente, ainda, como o trabalho de formação de público continua sendo necessário, e se não de maneira perfeita, o Olhar de Cinema vem se esforçando em fazer isto. As mostras “Olhares Clássicos” e “Olhar Retrospectivo” são indícios disso.
Ao que alguém possam pensar “mas são filmes que posso ver em casa”, fica a resposta de Júlio Oliveira, um estudante do primeiro ano de Administração de apenas 19 anos: “Minha avó, que Deus a tenha, tinha um material vasto da Greta Garbo em casa.
Fazia questão de me mostrar a cada almoço de domingo na casa dela, no Juvevê. Quando eu vi na programação que passariam Ninotchka eu soube que não poderia perder. Já havia assistido em um torrent, mas você tem outra percepção em uma sala de cinema. Deixa de ser um filme, vira uma experiência.”
A sobriedade da fala de Júlio me assustou, confesso. O que não assustou foi a certeza de que sua afirmação faz total sentido. O cinema é uma experiência. O cinema reflete o que fazemos. Por isso, ele precisa ser instigante, reflexivo.
Por isso, quando o festival discute a mulher no cinema, entendemos que a sala de cinema não é um lugar onde vamos para não pensar. Representatividade. O Olhar de Cinema serviu para evidenciar que não aceitaremos mais um cinema sectário, machista, preconceituoso.
Experimentais ou não, os filmes conferem ao ser humano a habilidade de imaginar realidades próximas ou distantes. Aliás, a linha entre realidade e ficção é extremamente tênue. A certeza deste fato torna curioso o silêncio ensurdecedor de toda a imprensa local – excetuando-se este veículo, o único presente no seminário “A Cultura na Era do Golpe” – sobre a passagem do último Ministro da Cultura pela cidade. A cultura precisa posicionar-se, pois a história irá cobrar o preço. Não existe cultura apolítica.
Nas palavras de William Biagiolli: “uma tristeza apresentar o último filme”. A luz da sala acendeu. Teremos que esperar pelos próximos 365 dias. Até lá, o Olhar de Cinema descansa na memória. Obrigado.
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