Exatamente no momento em que o graffiti vem perdendo espaço nas ruas por conta da repressão criada pelo prefeito de São Paulo, João Doria, um dos ícones da arte urbana terá seu trabalho exposto em um dos mais importantes museus do Brasil.
Jean-Michel Basquiat terá uma exposição realizada no MASP em 2018 com 40 obras baseadas em personagens e histórias africanas. Mas, embora a mostra ocorra apenas em São Paulo, a sua representatividade se dá em todo o país, até mesmo porque a discussão gerada pelo prefeito paulistano ecoa em diversos lugares.
É o caso de Curitiba, onde o atual prefeito da província declarou à Gazeta do Povo que o graffiti cultiva a “estética da morte” ao retratar “Gente drogada, gente verde, gente com cara de morta”.
Diante disso, poderíamos supor que Rafael Greca, que tenta construir a imagem de alguém que valoriza a cultura, iria execrar Guernica se ela estivesse nas ruas de Curitiba pelo fato de a obra não “provocar nos jovens o amor pela vida, pela saúde, pela alegria de viver”.
Felizmente, há quem valorize a arte urbana da maneira que ela merece.
É o caso de Andy Warhol, que ao longo da trajetória de Basquiat foi um dos responsáveis por fazer com que a obra que estava nas ruas de Manhattan, onde assinava como “Samo”, se espalhasse mundo afora.
O filme que mostra a arte marginal de um artista marginal na sociedade, que vai das ruas para as galerias, pode ser um bom ponto de entrada para conhecer a sua ‘arte ignorante’.
Essa trajetória está presente no filme Basquiat – Traços de uma Vida, que além de mostrar a história da parceria entre Warhol (interpretado por David Bowie) e Basquiat (Jeffrey Wright) retrata a careira do escritor de graffiti do início até o final da sua vida em 1988, vítima de uma overdose.
A relação com as drogas está presente em toda a obra, desde a vida de nobre desconhecido até a entrada no turbilhão da fama, e é representada no filme de 1996 de maneira bastante respeitosa e delicada. Um acerto do diretor Julian Schnabel, o que possivelmente se dá pelo fato de ter tido uma relação próxima com Basquiat e até mesmo ser um personagem no filme (Albert Milo), o que faz com que mostre na obra muito mais o talento do que as falhas do artista que faleceu aos 27 anos.
Por outro lado, na mesma medida em que acerta ao não se aprofundar no drama das drogas, o diretor e pintor poderia ter dado maior ênfase às obras de Basquiat e criado um filme mais visual, que desse ao espectador um pouco mais de contato com a obra em si.
De qualquer forma, o filme que mostra a arte marginal de um artista marginal na sociedade, que vai das ruas para as galerias, pode ser um bom ponto de entrada para conhecer a sua “arte ignorante”, maneira pela qual ele mesmo define o seu trabalho no primeiro encontro com a maior figura da pop art.
Esse dueto, aliás, é outro acerto, uma vez que a relação é bastante significativa no recorte adotado no filme, que não tem a pretensão de mostrar toda a vida de Basquiat, mas sim a sua carreira, que se encerra logo após a morte de Warhol, mesmo que na vida real tenha havido um intervalo de um ano entre a partida de um e outro.
Na película esse período ganha significado especial, uma vez que são usadas cenas de Warhol e ele em super 8, dando um tom ainda mais emotivo às lembranças.
Essa relação entre os dois artistas e a promoção do justo reconhecimento a Basquiat fazem com que o filme mereça ser visto e recomendado, especialmente a Dórias e Grecas.