Paz, amor, união e diversão.
São esses os princípios do movimento hip-hop.
Assim foi instituído pela Zulu Nation e assim deveria ser até hoje.
Deveria.
Porque quando a diversão se sobressai há um desequilíbrio.
“Unido a gente fica em pé, dividido a gente cai”.
Felizmente, há no Brasil quem nos ajude a lembrar disso e manter a cultura de pé.
Um deles é o MC Marechal, que no último dia primeiro de abril transmitiu por meio de uma música muitas verdades que esquecemos.
Não se poderia esperar menos do MC de Niterói, que se mantém relevante por mais de 15 anos mesmo que, até agora, não tenha nenhum CD gravado.
‘Continuamos sem entender o sistema / E vivemos essa confusão / Ao invés de ações sociais, se discute tamanho de cordão’ Mc Marechal – Primeiro de Abril
Nesse período os ventos mudaram, houve tormentas que derrubaram muitos, mas ele se manteve intacto, mesmo com grupos, ritmos e ideias florescendo a cada dia na internet, solo que ele mesmo ajudou a adubar como integrante do Quinto Andar, que revolucionou a forma e o conteúdo do rap no Brasil.
Usando a web como meio de produção e divulgação, o coletivo era formado por nomes até hoje importantes. Do Rio, além do “Cavalo Banguela” ou “Boneco Possuído”, o coletivo contava com De Leve, Xará, Shawlin e Dj Castro.
De São Paulo, Kamau, Lumbriga, Gato Congelado e Dj King formavam o time que se completava com o mineiro Matéria Prima. Esse foi o grupo, que junto ao webmaster Rafaj Kazerooni, fez com que o site do Quinto Andar (.cjb.net!) se tornasse praticamente uma rede social daquilo que chamávamos de rap underground.
Na época não havia ninguém que estivesse ligado no cenário e tivesse acesso à internet que não entrasse diariamente na página para ver, xingar ou defender essa nova forma que tinha no grupo um dos seus principais ícones.
Um desses visitantes até ganhou uma música, tornando-se o hater mais famoso da época. O nome dele é Jack Binsk.
O motivo para o alto número de acessos, comentários, amores e rancores era o fato de o conteúdo ali divulgado se apresentar como uma “oposição” ao rap carrancudo e periférico que existia até então, concentrado especialmente na figura dos Racionais MC’s. O som que nascia naquele começo do século XXI, com tom leve, descontraído, bem humorado e recheado de metáforas, virou o panorama de ponta-cabeça.
Talvez hoje, mesmo que não saibam, uma boa parte dos MCs e grupos do país são o resultado do choque entre esses dois extremos.
Esse é o período resgatado por Marechal em “Primeiro de Abril”, que tem uma indicação explícita em seu início (“Os batidão de Jazz / Estilão Quinto Andar / Quinze anos depois, ó / Onde eu vim me encontrar”), mas conta também com uma corrente de significados, como o próprio clipe, que faz com que uma “parada malfeita” passe a mensagem com a mesma eficiência que as mega produções.
O resgate do passado e as referências ao futuro estão presentes na letra também ao citar alguns pessoas que fizeram a história como Gabriel, o Pensador, MV Bill, Marcelo D2, DJ Primo, Speed Freaks e Gustavo Black Alien e também citando a nova geração, representada por BK, Sant e Síntese. Há ainda uma crítica aos entusiastas do trap e a quem se limita à internet e esquece o conhecimento que os livros podem proporcionar.
Essa é uma das principais ideias presentes na canção, que resgata a essência do quinto elemento do hip-hop (o conhecimento) ao apresentar imagens dos projetos Livrar e o VVAR nas escolas, iniciativas do próprio Marechal que têm o objetivo de distribuir livros em seus shows e levar a mensagem do hip-hop aos colégios.
E que mensagem é essa?
Paz, Amor, União e Diversão.
Mas, não é só o idealizador da Batalha do Conhecimento que faz o resgate dessas pedras fundamentais.
De Curitiba, o mc Ant também o fez por meio do videoclipe da música “FyaFunkRoots”.
Entretanto, o artista usa outra linguagem para os mesmos princípios.
Enquanto Marechal produziu um clipe de forma caseira, Ant preferiu passar a mensagem por meio de uma produção tecnicamente mais elaborada, mostrando que a cultura permanece de pé mesmo que os instrumentos sejam avançados. Para fazer isso, o videoclipe conta com diversos nomes e rostos conhecidos em Curitiba e no Brasil que ajudam Ant a provar que a tecnologia deve ser usada para que a árvore do hip-hop gere bons frutos, mas mantenha a raiz sempre saudável.
Assim, Ant e Marechal se tornam originais se voltando às origens.
https://www.youtube.com/watch?v=DVVfrp_iy0M
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