A transmissão de A Guerra dos Mundos narrada por Orson Welles talvez seja o fato mais importante da história do rádio. Em A Era dos Extremos, o historiador Eric Hobsbawm afirma que o programa, que levou insegurança a milhares de pessoas por reportar uma invasão extraterrestre como se fosse um boletim jornalístico em 1938, foi responsável por mostrar o poder de manipulação do rádio. De alguma forma, o incidente antecipou o potencial de condução das massas que seriam adotados pelos regimes fascistas da Europa nos anos seguintes.
A adaptação foi apresentada durante o horário reservado ao grupo The Mercury Theater, do qual Welles fazia parte. Nas noites de domingo, a companhia lia versões modernas de autores clássicos da literatura inglesa, como William Shakespeare, Victor Hugo e Bram Stoker. A ideia de criar uma narrativa jornalística para o livro do escritor britânico H. G. Wells surgiu da própria obra.
A Guerra dos Mundos foi construído com uma linguagem bem realista para a época em que foi publicado, em 1897. O best-seller vitoriano foi inspirado na experiência da Inglaterra na colonização da Tasmânia, onde os britânicos dizimaram populações indígenas inteiras, aprisionando quem sobrou e dando comida envenenada aos demais. O escritor ponderou como trabalhar aquela dura realidade e a transformou em uma parábola sobre uma invasão de alienígenas, usando, sempre que possível, o estilo jornalístico.
Independentemente de qual seja a versão da história criada por H. G. Wells, sempre há um pé no mundo em que vivemos e uma especulação fantasiosa sobre o que ocorreria se fôssemos os colonizados ao invés dos colonizadores.
O impacto dessas duas linguagens, a da ficção e a da realidade, criou um espaço de confusão na cabeça dos ouvintes, que sentiam que Welles dizia a verdade. Segundo A. Brad Schwartz, no livro Broadcast Hysteria (2015), a transmissão começa com um aviso acerca do programa e logo já muda para simular a apresentação de um radiojornal. Em seguida, o ator que interpreta um repórter avisa que está interrompendo a programação para relatar o pouso de uma espaçonave marciana no meio de Nova Jersey, o que dá início a uma série de explosões em diversas localidades de Nova York.
Entre os ouvintes desavisados, o caos. Moradores saíram às ruas armados para se defender dos invasores. Um nevoeiro dominou a cidade e a população imediatamente o associou aos gases tóxicos citados por Welles. Famílias inteiras deixaram suas casas cobertas sobre as cabeças para se proteger da intoxicação. Pessoas foram atendidas em choque em hospitais da cidade. Em todo território americano, os ouvintes que caíram na arapuca ficaram apreensivos com o que ocorria em seguida.
Tenho trabalhado a ideia de que casos como esse são experiências fantásticas que habitam o nosso imaginário e escapam adquirindo contornos bem reais no nosso cotidiano. O conceito envolve a própria ideia de que a fantasia se materializa sempre em um referencial da realidade, por isso fica num espaço de intermediário entre o mundo da ficção e o nosso – uma zona crepuscular, como a do seriado Além da Imaginação.
É curioso como, em A Guerra dos Mundos, isso tenha se tornado uma constante. Na sua concepção, serviu como diálogo com a colonização britânica na Inglaterra, que efetivamente ocorreu. Na narrativa de Orson Welles virou um boletim de um fato que parece estar ocorrendo. Há quem entenda as adaptações cinematográficas de 1953, dirigida por Byron Haskin, e a de 2005, dirigida por Steven Spielberg, como metáforas sobre as experiências americanas em conflitos internacionais, como a Guerra Fria e a guerra no Afeganistão.
Independentemente de qual seja a versão da história criada por H. G. Wells, sempre há um pé no mundo em que vivemos e uma especulação fantasiosa sobre o que ocorreria se fôssemos os colonizados ao invés dos colonizadores. Na experiência de 1938, o resultado foi o pânico e uma amostra como o rádio poderia ser usado para enganar a população, como fez o nazismo. Algo tão assustador quanto uma invasão alienígena em Nova Jersey.