Desde que os seriados passaram a ocupar um espaço privilegiado no consumo televisivo das massas, em meados da década passada, o horror gradativamente cresceu. Hoje, o gênero é tema de uma dezena de programas, como Supernatural, The Walking Dead e Penny Dreadful, entre outros. Nenhum, porém, ocupa o posto de referência de American Horror Story.
Idealizada por Brad Falchuk e Ryan Murphy, a atração se tornou um marco ao popularizar o conceito de arco narrativo de temporada (leia mais). Anualmente, os roteiristas apresentam ao público uma história nova, com outros ambientes, personagens e ameaças. O formato permite que o seriado explore diversos tipos de situações e temas que circulam o horror e serve como um tratado sobre a pluralidade do gênero.
Em sua estreia, a produção mostrava uma casa assombrada. No cardápio de temas, aparecia aborto, sadomasoquismo e infidelidade. Os personagens viviam entre momentos fantásticos, com a aparição de fantasmas mortos na residência, e ficcionalização de fatos reais. É o caso de traumas da história norte-americana, como o rapto do bebê Lindenbergh, o massacre de Columbine e o corpo desmembrado da atriz Elizabeth Short, a Dália Negra, encontrado na beira de um lago em Los Angeles.
Esse conjunto de referências continuou pelas demais temporadas. A teia de homenagens ainda passa pelo cinema e pelos hábitos cotidianos dos americanos. Um dos exercícios favoritos dos fãs de AHS, inclusive, é encontrar as inspirações do enredo.
A colcha de retalhos, evidentemente, se consolida em uma trama sem harmonia que, quase sempre, decepciona pelas pontas soltas e elementos mal amarrados. Se a narrativa não é conduzida como deveria, a construção de um discurso conceitual sobre o horror é bastante satisfatória.
Na quarta temporada, há um circo de horrores (freak show). Sobram citações a Todd Browning e a P.T. Barnum e seu conjunto de personagens deformados que viajaram os Estados Unidos com atrações perturbadoras. No elenco, há profissionais que efetivamente sofrem com algum tipo de deficiência. Esses indivíduos estão ali para atuar, mas poderiam ser exibidos como atrações para o mesmo tipo de circo que representam na tela.
O estranho Edward Mordake, interpretado por Wes Bentley, é um britânico de origem nobre que nasceu com um segundo rosto na nuca no século XIX. Twisty the Clown, por sua vez, é inspirado no maníaco John Wayne Gacy, empresário condenado por matar duas dezenas de jovens garotos nas décadas de 1970 e 1980. No meio disso tudo, um halterofilista usa da violência para esconder a homossexualidade.
American Horror Story funciona em um lugar onde o imaginário não faz distinção entre o inventado e verdadeiro. É uma série inspirada em fatos reais, mas que jamais afirmará isso claramente, pois sofre de excessos.
Como em Além da Imaginação (leia mais), a série costuma embaçar os limites do real e da ficção. Aqui, o horror é, praticamente, uma categoria cultural, que abraça diferentes elementos do mundo material e do imaginário criado por livros, filmes e outros seriados. É também um espaço de provocação, que não se furta a jogar os espinhos de uma discussão na cara do público por meio de alegorias.
No mundo criado por Falchuk e Murphy, vampiros mantêm relacionamentos com serial killers – que são respeitados como ídolos. Um nazista pode encontrar refúgio em um manicômio estatal aos moldes de outro, que no mundo real foi episódio de um traumático episódio da saúde mental dos Estados Unidos. Uma assassina de escravos da história norte-americana, como Dalphine LaLaurie, pode ser ressuscitada para trabalhar como empregada em um covil de bruxas.
American Horror Story funciona em um lugar onde o imaginário não faz distinção entre o inventado e verdadeiro. É uma série inspirada em fatos reais, mas que jamais afirmará isso claramente. Pelo menos não como ocorre em Terror em Amityville (1974), A Casa das Almas Perdidas (1991) e Invocação do Mal (2013).