Se você passou por alguma rede social nos últimos dois dias, provavelmente viu o corredor supostamente assombrado de uma escola municipal de Araucária, cidade da região metropolitana de Curitiba. Em um vídeo que viralizou na madrugada de 14 de março, dois seguranças investigam uma batida incessante que vem da porta de um hidrante.
https://youtu.be/Y4knEopzsbY
Nas imagens, um dos homens segura uma arma enquanto anda com cautela até o local do barulho. A câmera ecoa a fotografia de um found footage. A tal porta metálica abre e fecha como se movida por alguém (ou algo). Quando o local fica em silêncio, as luzes trêmulas do teto subitamente se apagam. O incidente foi inicialmente atribuído a um Instituto Médio Legal, de Cuiabá, o que ampliou o aspecto assustador do registro.
Muitas pessoas associaram o vídeo a um filme de horror. A lógica tem sentido. Nosso imaginário coletivo do gênero é repleto de situações semelhantes. Corredores mal iluminados e sons inexplicáveis são experiências recorrentes nessas narrativas. Aparecem em clássicos como Desafio do Além (1963), Terror em Amityville (1979) e Poltergeist – O Fênomeno (1982). Também viraram clichês de filmes recentes.
De cabeça, consigo citar momentos semelhantes em Mama (2013), Invocação do Mal (2013) e Quando as Luzes se Apagam (2016). As luzes trêmulas de ambientes vazios também garantem os sustos de outras plataformas, como os vídeogames. Jogos da série Resident Evil, Silent Hill e Dead Space se apropriam desse recurso de linguagem para tensionar o espectador e, eventualmente, assustá-lo.
Geralmente, tememos o que vemos na tela porque atribuímos algum sentido de realidade ao que vemos. Não importa se é real ou não.
Ao debater o registro da suposta assombração de Araucária com um aluno, argumentei que tudo soa perfeito demais, como uma ficção. Isso poderia indicar uma farsa bem produzida. Ouvi em resposta que não faz diferença, o vídeo continua dando medo.
Acho que essa analogia, feita por alguém que parece querer acreditar na veracidade do que é mostrado pelos seguranças da escola, encontra ecos na relação que estabelecemos com o horror artístico. Geralmente, tememos o que vemos na tela porque atribuímos algum sentido de realidade ao que vemos. Não importa se é real ou não.
Se temos facilidade em fazer essa atribuição emocional em histórias que, conscientemente, sabemos que não são verdadeiras, por que não faríamos o mesmo com as narrativas que se vendem como reais? Talvez isso explique o fascínio humano por casos sobrenaturais. É uma forma de experimentação de elementos que só vivenciamos como espectador ou leitor. Nunca como testemunha.
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O jornalismo adora debruçar-se sobre esses supostos mistérios do mundo sobrenatural. Quando mais novo, eu ficava arrepiado com cada caso desses que ia parar na televisão. Lembro-me que, em 2001, uma câmera registrou um suposto raio de luz entrando pela janela do quarto em que Chico Xavier estava internado. A imagem foi tema de uma matéria do Fantástico.
Nesta coluna, escrevi algumas vezes sobre outras experiências de ficção dentro da realidade. Tenho pensado que esses momentos de inserção do horror no nosso cotidiano são como pequenos episódios de contato com a zona crepuscular, definida pelo roteirista Rod Serling como um espaço imaginário de interação do mundo material com o fantástico.
O vídeo do suposto fantasma de Araucária é uma prova de que, por mais explicável que um fenômeno possa ser, estamos sempre dispostos a imaginá-lo a partir do nosso referencial da ficção. É como se o registro não tivesse sido gravado no nosso mundo, mas em um lugar do imaginário que permite que o que vemos nos filmes de horror interajam conosco.