Em algum momento entre a Idade Média e a Idade Moderna, viajantes europeus passaram a diferenciar criaturas fantásticas de animais reais que habitavam regiões inóspitas. No livro Esquecidos por Deus – Monstros no mundo europeu e iberoamericano (séculos XVI-XVIII), a historiadora Mary Del Priori afirma que no período, quando a razão ainda não dominava o mundo ocidental, seres fabulosos habitavam as artes e as narrativas literárias, interferindo diretamente no imaginário social.
Admito que possa não existir nenhum tipo de relação formal entre os fenômenos descritos acima, mas é tentador explicar essas possíveis coincidências como um processo de canibalismo mútuo entre nosso imaginário social e nossa produção cultural.
Com a revolução científica e o olhar do Renascimento para o mundo material, a existência de criaturas míticas gradativamente deixou de fazer parte dos tratados de zoologia. Um dos motivos foi a popularidade da obra de Francis Bacon pelas sociedades científicas europeias. Esses grupos abraçaram a epistemologia empírica, que afirmava que o conhecimento deveria sair da experimentação e da observação.
Stephen T. Asma, autor de On Monsters: An Unnatural History of Our Worst Fears, diz que o próprio Bacon alertava que os leitores deveriam saber diferenciar os depoimentos dos amantes das fábulas. O filósofo defendia que um ser desconhecido só fosse admitido como científico quando desenhado a partir de uma história séria e crível e de um relato confiável.
O imaginário monstruoso acabou se voltando para o campo do drama. Asma afirma que um dos caminhos pelo qual seguiram as aparições de quimeras, sereias e faunos foi o entretenimento. No século XVIII, taxidermistas europeus importavam carcaças de animais, que eram alteradas para parecerem estranhas e exibidas para o público. O empresário norte-americano P. T. Barnum contratava pessoas com algum tipo de deficiência e as apresentava como seres extraordinários em um circo no século XIX. No mesmo período, monstros apavoravam os franceses nos sanguinolentos espetáculos franceses do Teatro Grand Guignol.
O nascimento do horror enquanto gênero narrativo da ficção é mais ou menos desse período de racionalização da ideia do monstro pela ciência. Trata-se de uma literatura que, desde o século XVII, se volta para às classes populares. Movimento semelhante à literatura de cordel, na Espanha, e ao colportage, na França. As raízes formais do horror na literatura estariam no século XVIII, cujo ponto de origem consensual seria O Castelo de Otranto, de Horace Walpole.
De lá para cá, temos a história do gênero que discutimos semanalmente por aqui.