A antologia Histórias Estranhas (2019) saiu de dentro da cabeça do cineasta gaúcho Ricardo Ghiorzi. O diretor, que também atua na realização de efeitos especiais e de maquiagem, bolou o projeto depois de ver os longas-metragens da série O ABC da Morte. Aí, chamou alguns conhecidos que trabalham com cinema de horror no Brasil e assim nasceu a coletânea 13 Histórias Estranhas (2015).
Como esse primeiro filme circulou bem por festivais dentro e fora do país, a equipe colocou em andamento uma sequência, que virou a obra que chega aos cinemas de diversas cidades do país nesta quinta-feira, dia 23 de maio. A produção tem curtas-metragens dirigidos por Paulo Biscaia Filho, Rodrigo Brandão, Marcos DeBrito, Claudio Ellovitch, Taísa Ennes, Filipe Ferreira e Kapel Furman, além do próprio Ghiorzi.
Formado em Publicidade, o idealizador de Histórias Estranhas se tornou um dos poucos profissionais que trabalham com efeitos visuais no cinema de horror nacional. Trabalhou em filmes como Porto dos Mortos (2010), Zombio 2 – Chimarrão Zombies (2013) e A Maldição do Sanguanel (2014). Na entrevista abaixo, ele conta como desenvolveu a mais recente antologia brasileira e fala um pouco sobre sua própria trajetória como realizador independente:
Escotilha » Você é originalmente da área de efeitos especiais?
Ricardo Ghiorzi » Na verdade, sou publicitário [risos]. Do tempo em que agências de propagandas tinham que ter desenhista. Desde essa época eu já me interessava por efeitos especiais e por maquiagem. Gostava de fazer máscaras em latex, papel maché e argila. Com a internet, comecei a pesquisar e tive acesso a outros materiais profissionais. Na época não tinha profissional nessa área. Só o Kapel Furman.
Como começou a trabalhar na área?
Pensei que poderia começar a fazer algumas coisas em casa. Tirei foto do que fiz e mandei para alguns canais de televisão. Quinze dias depois me ligaram para fazer efeitos especiais para uma minissérie da RBS TV, afiliada da Rede Globo. Foi uma coisa muito louca. Mal tinha começado a mostrar para o pessoal e já me chamaram. Fui aprendendo no set de filmagem. O pessoal falava que eu deveria ir para o Rio ou para São Paulo, mas fiquei por aqui mesmo, em Porto Alegre.
Essa escolha acaba te levando a trabalhar em projetos locais, como no filme Porto dos Mortos…
Ali foi um divisor de águas. O [cineasta] Davi [de Oliveira Pinheiro] tava procurando alguém para os efeitos especiais e éramos amigos. Ele viu o que eu fazia e me chamou para fazer os efeitos. Comecei a fazer as próteses para os zumbis e as traquitanas de estouro de bomba e de tiro, mas fui chamado para uma vaga num concurso público. Conversei com ele, que decidiu chamar o Kapel para os efeitos especiais. Eu continuei na produção trabalhando nas maquiagens pesadas durante as filmagens. Foi minha estreia em longas-metragens.
Como fez a passagem para a direção?
Primeiro fiz um curta chamado Belphegor, que participou de alguns festivais.
Depois você integrou a equipe de A Maldição do Sanguanel?
O convite veio do Felipe Guerra. É um filme sobre um bichinho do folclore italiano, que veio com os imigrantes da Serra Gaúcha. Ele queria uma coisa bem regional, então convidou a galera que tivessem essa vertente italiana e gauchesca. Tanto que o sotaque é muito carregado. Totalmente proposital. O filme também circulou por alguns festivais pelo Brasil e pelo mundo. Como toda produção bem independente, é muito irregular. Saiu um resultado bacana, mas, por lidar com cinema, ficamos mais exigente com alguns aspectos. O meu episódio mesmo tem muitos problemas.
Sou apaixonado por quadrinhos de terror. O filme de antologia é quase como se fosse um almanaque. É como se tu estivesse folheando uma revista de terror, em que termina uma história e começa outra.
Parece um filme bastante apaixonado apesar dessa irregularidade…
Nós nos juntamos e fizemos. Esse é o espírito do próprio cinema de horror. O problema é que a exigência técnica do mercado está elevada e não dá para fazer um filme para ficar no HD do computador. Precisa estar numa qualidade interessante para os compradores…
Como nasceu o 13 Histórias Estranhas?
Eu tinha uma ideia de fazer um filme sobre lobisomens. Iriam ter sete histórias, mas abandonei o projeto rapidinho porque ia sobrar tudo para mim. Eu é que ia ter que fazer os monstros e os efeitos especiais para todo mundo. Acabei esquecendo. Uns anos depois soube do filme americano O ABC da Morte e achei bacana a ideia de juntar diretores com uma ideia central. Fiquei matutando aquele negócio e bolei um filme com 13 histórias em que cada uma teria algo a ver com um numeral.
Imagino que acabou não fazendo os efeitos especiais de todos…
Não [risos]. Só o do meu e o de alguns amigos aqui por perto.
Por que o filme não está disponível para o público?
Esbarramos na questão dos direitos autorais de algumas músicas e em outros problemas. O filme está em banho maria por enquanto, mas estamos lutando para colocar dentro da lei para poder divulgar depois.
A sequência foi colocada em produção imediatamente depois do primeiro 13 Histórias Estranhas?
Vimos que deu muito resultado juntar vários diretores. A produção pulveriza e fica mais leve para todo mundo. Em seu núcleo, cada diretor consegue rodar o seu segmento. Não tem tanto custo de produção. O nome Histórias Estranhas também ficou forte e a galera gostou. É quase uma grife de antologia. Daí pensei em seguir essa linha e bolei a sequência. E, bah, foi só convidar os diretores que eles pularam no projeto. Foi muito rápido.
Por que o número de histórias acabou diminuindo nesse segundo filme que chega aos cinemas nesta quinta?
Acabou que um dos diretores não conseguiu entregar o curta dele a tempo da estreia no Fantaspoa, aqui de Porto Alegre. Falei com a organização do festival e apresentamos o filme sem estar finalizado. Os diretores ficaram incomodados por terem se doado tanto ao projeto e queriam que o longa fosse adiante. Levei o filme para alguns compradores de produtos audiovisuais e todos disseram que tinham curtas na antologia que não tinham acabamento técnico e profissional de imagem e som. Não tinha condições para vender o filme daquele jeito.
E o que você fez?
Foi uma situação bem complicada porque convidei esses diretores e tive que desconvidá-los do projeto. Foi uma reunião tensa em que eu tive que explicar e dar a real do que estava acontecendo. Doeu meu coração porque sou produtor independente e sei que a batalha é grande. Sempre fazemos o melhor possível quando trabalhamos num material. Aí fui obrigado a tirar mais alguns curtas e ficou só oito. Ainda tem alguns resquícios dos numerais do projeto original, mas não interfere diretamente nas histórias.
Tenho gostado bastante das publicidades nostálgicas do filme…
Eu sou publicitário e a parte gráfica ficou comigo. Como apaixonado pelo gênero, pensei em soltar todos os meus demônios em cima da criação. Fiz algumas artes bem voltadas para os anos 80, quando tinham anúncios bem mentirosos e sensacionalistas.
Como estão os planos para a sequência de Histórias Estranhas?
Está bem no início. A ideia existe e será com a temática Demônios e Possessões. Esse inclusive seria o nome do filme. É para 2021. Tem muita coisa pela frente e outros projetos engatilhados.
Quais?
Tem um longa-metragem que estamos fazendo só com diretores do sul. O nome é Vortex. É uma coletânea de histórias envolvendo o tempo, com uma pegada sobrenatural e pesada. Esse é o projeto que está na linha de produção agora.
Por que você sempre trabalha com antologias?
Fiquei pensando na psicologia disso. Acho que é porque sou apaixonado por quadrinhos de terror. O filme de antologia é quase como se fosse um almanaque. É como se tu estivesse folheando uma revista de terror, em que termina uma história e começa outra.