Em 9 de maio de 1974, a Tapeçaria Rozen, do Rio de Janeiro, publicou no Jornal do Brasil um anúncio que dizia que a empresa andava “com o diabo no corpo”. Por isso, “fez uma liquidação quente e jogou os preços altos no inferno”. No topo da arte, que ainda tinha uma gravura de um homem sendo atormentado por um demônio, estava a expressão “O Exorcista dos Preços”.
O anúncio publicitário, quase inconcebível para os padrões de hoje, era um acentuado sintoma da expectativa dos brasileiros com a chegada de O Exorcista (1973). O clássico de horror, dirigido por William Friedkin e adaptado do romance homônimo de William Peter Blatty, fez muito barulho quando estreou nos Estados Unidos, em dezembro de 1973. Mas só chegou por aqui quase um ano depois.
Nesse meio tempo, os jornais relataram maravilhas sobre aquela obra assustadora, que podia ganhar o Oscar de melhor filme enquanto arrecadava 20 milhões de dólares em 13 semanas de exibição. A cifra era apontada como bem superior a outros títulos de sucesso da época, como O Poderoso Chefão (1972) e O Último Tango em Paris (1972).
Naquele intervalo de tempo, quando algum outro filme de horror da época era associado ao gênero, isso geralmente ocorria como uma comparação ao longa-metragem de Friedkin. Uma notícia que anunciava a produção de Terremoto, com Charlton Heston e Ava Gardner, prometia que a nova produção iria “abalar o espectador ainda mais que O Exorcista”. E nenhum dos leitores brasileiros tinha sequer visto o longa-metragem.
No Rio de Janeiro, a obra foi exibida em seis salas de cinemas diferentes. As primeiras sessões, repetindo as experiências internacionais, foram marcadas por empurra-empurra e desmaios.
Desde meados de 1973, a narrativa já vinha sendo pautada pelos jornais do país. Antes mesmo de a primeira edição traduzida do romance no Brasil, lançada pela editora Nova Fronteira, o livro de Blatty aparecia nas listas internacionais de mais vendidos. A versão nacional foi lançada no meio daquele ano e foi um sucesso imediato de vendas. Um anúncio, também publicado no Jornal do Brasil, dizia que, em duas semanas, a obra teve 20 mil exemplares vendidos.
Por meses, O Exorcista esteve no topo da lista dos mais lidos entre os brasileiros. A ponto de a sétima edição do livro ter sido falsificada. O caso chegou a levar a Nova Fronteira a se pronunciar nos jornais, em maio de 1975. Um livreiro carioca foi apontado como o responsável pelo crime de fotocopiar mais de 300 edições do romance para suprir a demanda dos seus clientes.
Certamente um dos impactos mais significativas desse imaginário provocado pelo filme de Friedkin para os brasileiros nesse período foi sentido pelos realizadores. Diante de tanta referência ao demônio – que contava, inclusive, com relatos de padres que alertavam os perigos de se interessar pelo ocultismo -, diversos cineastas tupiniquins decidiram criar suas próprias histórias sobre o diabo. Segundo uma reportagem de 30 de setembro, esse seria o caso de Nelson Pereira dos Santos, com O Amuleto de Ogum (1975); José Mojica Marins, com Exorcismo Negro (1974); e Carlos Hugo Christensen, com Enigma para Demônios (1974).
No fim de julho de 1974, o Jornal do Brasil anunciava que O Exorcista passaria pela censura. O filme acabou sendo liberado sem cortes. Uma das razões supostamente teria sido a presença de um padre, representando o Arcebispo de Brasília, em uma sessão. Depois de ver a adaptação, o sacerdote disse que ali não tinha nada de muito profano.
A estreia comercial foi marcada para o dia 11 de novembro, uma segunda-feira. No Rio de Janeiro, a obra foi exibida em seis salas de cinemas diferentes. As primeiras sessões, repetindo as experiências internacionais, foram marcadas por empurra-empurra e desmaios. Uma adolescente de 16 anos, ao tentar entrar em um dos cinemas burlando a censura de 18 anos, caiu e foi pisoteada pela multidão. “Está todo mundo ouriçado”, disse um espectador a um jornalista do Jornal do Brasil.
A bagunça e as filas eram justificadas pelo medo de a Censura voltar atrás e cortar as partes mais emocionantes. As pessoas, dizia uma reportagem de 12 de novembro de 1974 do Jornal do Brasil, também queriam ser as primeiras a assistir ao filme para que o impacto não fosse aliviado com o passar dos dias.
Mal sabiam elas que, 45 anos depois, O Exorcista continuaria tão assustador como antes.