Dirigida pela dupla Lee Unkrich e Adrian Molina, a animação Viva – A Vida é uma Festa (2017) lança uma interpretação bastante curiosa sobre o mundo dos mortos. Com base na cultura mexicana, o filme apresenta os espíritos como entidades diretamente ligadas às lembranças criadas enquanto ainda eram vivos. Quando são esquecidos, deixam de existir.
A ideia de que fantasmas são, na verdade, memórias de um tempo que se foi é bastante recorrente na produção cultural contemporânea. Filmes como Os Outros (2001), O Sexto Sentido (1999) e Os Espíritos (1996) apresentam suas aparições como seres presos às rotinas que levavam antes da morte, parados no tempo – com um visual e comportamentos que são facilmente reconhecidos por seus entes mais próximos.
Na série A Maldição da Residência Hill (2018), o cineasta Mike Flanagan brinca com esse conceito. Marcada pela trágica morte da mãe na casa do título, uma família precisa enfrentar sua própria história para superar os demônios do passado. Baseado no romance A Assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson, o programa reconhece a existência de um mundo sobrenatural, mas os usa muito como uma alegoria para o trauma.
Fantasmas são a culpa. São segredos. São arrependimentos e passados. Muitas vezes, o fantasma é um desejo.
A metáfora é especialmente reconhecida pelo personagem de Michiel Huisman, que nos minutos finais do último episódio diz que “fantasmas são a culpa. São segredos. São arrependimentos e passados. Muitas vezes, o fantasma é um desejo”. Não por acaso é na imagem da mãe, interpretada por Carla Gugino, que reside a origem da maior parte das alucinações provocadas pelos espíritos.
O filme britânico Ghost Stories (2018), da dupla Jeremy Dyson e Andy Nyman, também apela para o sentido metafórico dos fantasmas para falar sobre culpa. A narrativa acompanha um homem que desmascara histórias sobrenaturais em um programa de televisão. Quando chamado para investigar três casos sem explicação, ele descobre que as aparições que assombram suas fontes estão ligadas a um segredo que escondeu durante toda sua vida.
Nas narrativas contemporâneas, espectros de pessoas que morreram também podem ser interpretadas como marcas deixadas na nossa subjetividade, semelhante aos riscos nas paredes de uma casa. Na adaptação de Objetos Cortantes (2018), que Jean-Marc Valée dirigiu para a HBO, a jornalista vivida por Amy Adams volta para a cidade em que cresceu para escrever sobre uma série de assassinatos para o jornal em que trabalha. Em casa, ela se reconecta com a mãe e com as lembranças da morte da irmã, que começa a aparecer pelos cantos do cenário – lembrando à personagem e ao espectador da história deixada pelo local.
É possível que um dos maiores ensaios cinematográficos sobre o fantasma como uma memória perdida esteja em Sombras da Vida (2017), filme-sensação do ano passado dirigido por David Lowery. No longa-metragem, Casey Affleck interpreta um espírito, caracterizado pelo estereótipo do lençol branco, que perambula pela casa em que viveu, preso ao local como uma telha quebrada. Sua presença funciona como um luto, para o vazio de sua esposa que precisa morar sozinha na casa. Também serve para marcar a estadia das pessoas que estiveram ali antes dos novos moradores. Com o tempo, porém, sua existência vai perdendo o sentido e fica cada vez mais parecida com aquele fato das nossas vidas que nunca sabemos direito como aconteceu.