Revisitar 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968) depois de mais de meio século ainda pode ser uma experiência desconcertante. A obra-prima do cineasta Stanley Kubrick é um filme que não faz concessões e não se interessa em dar respostas ao público, hoje tão acostumado com o didatismo do cinema hollywoodiano.
Tive a oportunidade de rever o longa-metragem, pela primeira vez depois de mais de uma década, em tela grande na semana passada durante uma exibição do projeto Clássicos do Cine Passeio, em Curitiba. Era a segunda semana que a ficção científica estava em cartaz, sempre com sessões lotadas.
Minha mãe, que nunca tinha assistido ao filme, foi comigo. Na primeira aparição do monolito preto, ela rapidamente reclamou ao meu ouvido: “esse é um filme de terror”.
Certamente ninguém chamaria 2001 – Uma Odisseia no Espaço de horror. Mesmo assim, fica difícil discordar da minha mãe diante de uma sala cheia de gente em silêncio, provavelmente abismada com as imagens criadas por Kubrick e pelo diretor de fotografia Geoffrey Unsworth. Todas embaladas pelos perturbadores arranjos de Réquiem, de György Ligeti.
As cenas com o monolito impressionam, incomodam e arrepiam. São momentos sensoriais que sintetizam bem a própria proposta da ficção científica, pensada majoritariamente como uma experiência não-verbal.
As cenas com o monolito impressionam, incomodam e arrepiam. São momentos sensoriais que sintetizam bem a própria proposta da ficção científica, pensada majoritariamente como uma experiência não-verbal.
Adaptado da obra de Arthur C. Clarke, o objeto (que assombra as exibições do clássico há 55 anos) é descrito como uma construção alienígena. No filme, só se sabe do invento desconhecido que há uma emissão de fortes sinais. A ambiguidade abre espaço para dizer que o objeto inspira a evolução humana e aponta caminhos para nossa própria destruição.
O que Kubrick faz com a ideia de Clarke, por meio da câmera e da música, é mostrar que o desconhecido deve ser temido. Merece ser vislumbrado com admiração, como fizeram os indígenas americanos com as caravelas europeias. Mel Gibson, aliás, encerra o épico Apocalypto (2006) exatamente com essa imagem. Da família maia, assistindo boquiabertos, a chegada de uma tripulação que trará o fim da sua própria civilização.
É aterrador, como um monstro que vai devorar nossas ambições e nossa própria existência.
O crítico Marcelo Miranda descreveu recentemente que 2001 – Uma Odisseia no Espaço é um filme opaco. Isso significa que a busca por sentido na obra de Kubrick dificilmente se esgota ou se encerra. Desconcertante. Especialmente para quem gosta de explicações de mão beijada.
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