Há uma cena em Ebirah, o Terror dos Abismos (1966) que mostra a personagem Dayo (Kumi Mizuno) cara a cara com Godzilla. O monstro a olha com desejo. Vira o rosto para poder contemplá-la com calma e, diante de uma ameaça que surge no horizonte, parte para defendê-la.
Tudo ali é diferente do que até então havia sido visto na franquia Godzilla. Há outros momentos que também provocam estranheza: o kaiju desperta de um sono profundo com uma descarga elétrica, raramente usa seu raio atômico e parece bem mais humano do que o comum. É como se ele fosse King Kong.
Isso se justifica. À pedido do produtor Tomoyuki Tanaka, o roteirista Shinichi Sekizawa escreveu, na verdade, uma narrativa para ser protagonizada pelo gorila de Skull Island, a ser financiado em parceria com produtores americanos. A história, porém, não foi aprovada no Ocidente e Ebirah, o Terror dos Abismos se tornou o sétimo filme da Toho com o gigante radioativo.
Esse foi o último longa-metragem de Godzilla feito no mesmo modelo de colaboração mantido desde o original em 1954, com Honda na direção e Eiji Tsuburaya no comando dos efeitos visuais.
Na trama, um homem rouba um iate para partir em busca do irmão, que se perdeu no mar. Ele o descobre em uma ilha, onde é escravizado por um grupo de mercenários que tenta extrair do local um líquido amarelo que permite controlar um monstro marinho, uma lagosta gigante chamada Ebirah. Mothra e Godzilla são os únicos que podem ajudar, mas ambos estão hibernando depois dos eventos de Ghidrah, o Monstro Tricéfalo (1964).
A obra marca a primeira produção da estrela do Estúdio Toho sem o envolvimento direto do cineasta Ishirô Honda, do diretor de efeitos visuais Eiji Tsuburaya (que apenas supervisionou o trabalho do aprendiz Sadamasa Arikawa) e do compositor Akira Ifukube. A direção ficou por conta de Jun Fukuda, que comandaria outros títulos de Godzilla durante a Era Showa.
O novo diretor mudou bastante o tom da obra. Trocou o Japão por uma ambientação tropical e inseriu elementos de espionagem barata. A música de Masaru Sato contribui para criar um enredo bem mais leve e dar uma cara própria à franquia.
Ebirah, o Terror dos Abismos é tido como um dos patinhos feios da franquia hoje. Embora seja divertido, a pressão da Toho para deixar o orçamento enxuto e a descaracterização de Godzilla o tornam muito diferente dos longas-metragens anteriores. Isso não impediu que a imprensa brasileira o elogiasse quando estreou por aqui, em 1968. Uma nota publicada no Jornal do Comércio de Amapá, em 22 de setembro daquele ano, descrevia o lançamento como “um espetáculo realmente arrebatador, dotado de boa dose de suspense”. Era como se estivessem falando de outro filme.
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