Alfred Hitchcock não era muito conhecido pelos materiais teóricos que escrevia, mas frequentemente arriscava alguns palpites em entrevistas nos textos que publicava na imprensa. É numa dessas empreitadas que surgiu a já banalizada distinção do cineasta entre o conceito de surpresa e suspense.
Ao diretor francês François Truffaut, um dos ícones da nouvelle vague, Hitchcock explicou que o suspense é uma espécie de dilatação da espera. Trata-se de uma construção de cena, na qual o público é informado de todos os elementos presentes para que possa anteceder o que ocorrerá em seguida.
“Estamos conversando, talvez exista uma bomba debaixo da mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso, mas, antes que tenha se surpreendido, mostraram-lhe uma cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está debaixo da mesa e a plateia sabe disso, provavelmente viu o anarquista colocá-la. A plateia sabe que a bomba explodirá a uma hora e sabe que faltam quinze para a uma – há um relógio no cenário. De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena”, diz o diretor.
‘O thriller autêntico irá viver e florescer, ao passo que o filme de horror morrerá’, escreveu Alfred Hitchcock certa vez.
No exemplo apresentado acima, a surpresa ocorre como uma emoção repentina, que não dura mais do que alguns segundos. O suspense, porém, conecta o espectador à cadeira e o faz roer as unhas. O cineasta é quem o manipula para isso.
Em um dos ensaios sobre o mesmo tema publicado no livro Hitchcock por Hitchcock, o diretor tenta explicar também a diferença entre o horror e o suspense. Segundo ele, o primeiro é um sinônimo de “aversão extrema” e explora o sadismo, a perversão, a bestialidade e a deformidade. No seu diagnóstico das produções da década de 1960, o gênero estava sendo atenuado, para ficar mais palatável aos diferentes tipos de plateia.
O suspense, por outro lado, seria um gênero mais nobre, pois leva os espectadores a vivenciar uma experiência quase divina. “No que me diz respeito, creio que se obtém o efeito de suspense quando o público se sente como deuses”, escreve. Na tese, quando assistimos a uma conversa ameaçada como uma bomba, sabemos o que pode ocorrer, mas os personagens não.
Um clássico exemplo disso é a trama de Festim Diabólico (1948), em que dois estudantes matam um colega de classe e escondem o corpo em um baú, que usam para servir salgadinhos em uma festa. “No filme ninguém sabe nada, à exceção dos dois assassinos. O fato de a plateia assistir aos atores passarem alegremente em meio a uma atmosfera carregada de feitos maléficos faz o verdadeiro suspense”, explica.
Embora seja também uma construção de marketing, o título de Mestre do Suspense cabe à Hitchcock por uma escolha consciente pelo tipo de produção na qual passou a trabalhar desde o início da década de 1930. Essa assinatura não inclui muitas surpresas, mistérios ou narrativas horripilantes.
Em um outro texto do mesmo livro, o diretor-autor chega a definir o horror como uma moda passageira. É um gênero inferior ao thriller, que perturba e não estimula o medo para excitar o voyeur que existe em todos nós. “E é por isso que o thriller autêntico irá viver e florescer, ao passo que o filme de ‘horror’ morrerá”. Respeito muito a opinião do grande Hitchcock, mas fico feliz por ele estar errado.