O desenvolvimento tecnológico provoca um medo natural no ser humano. H. P. Lovecraft falava disso por volta de 1926, quando anunciava os males do avanço científico e técnico em contos como O Chamado de Cthulhu. Com frequência, a ficção científica se encanta com a ideia de máquinas que se revoltam contra o homem, o que rende filmes como O Exterminador do Futuro (1984), Matrix (1999) e 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968).
É possível que a nossa convivência com aparatos industriais nos últimos dois séculos tenha provocado esse tipo de receio. O cotidiano urbano é cercado por instrumentos que trabalham com a sociedade para executar tarefas simples. Às vezes, a experiência pode ser traumática. Foi o que ocorreu com Stephen King, um dos mais prolixos escritores de horror das últimas décadas.
Antes de ser catapultado ao sucesso no mercado editorial e cinematográfico, o autor pagava as contas da família operando um maquinário responsável por lavar e secar roupas de cama em uma lavanderia industrial. Na mesma época, também começou a dar aulas de literatura em uma universidade do Maine e, quando sobrava tempo, escrevia.
Mangler – O Grito de Terror merece uma revisão. A premissa absurda de uma máquina de lavar roupa assassina não pode passar em branco. Além disso, o elenco é inspirado, os efeitos visuais são competentes e a sanguinolência é bastante sádica.
Um dos frutos do período foi o conto A Máquina de Lavar Roupa, que posteriormente fez parte da coletânea Sombras da Noite. Como quase toda linha escrita por King, a história virou filme. E Mangler – O Grito de Terror (1995) tinha tudo para dar certo. Além do material original, a produção tinha direção de Tobe Hooper, de O Massacre da Serra Elétrica (1974), e Robert “Freddy Kruegger” Englund no elenco.
Quando chegou aos cinemas, a adaptação foi um tremendo fracasso. Talvez a culpa fosse da trama, que mostrava a absurda premissa em que uma máquina de lavar roupas era possuída por um demônio. Talvez, a falha fosse do tom adotado por Hooper, que levou a descabida ideia muito a sério. Há quem culpe a própria década de 1990, período considerado bastante fraco para o cinema de horror.
De qualquer forma, Mangler – O Grito de Terror merece uma revisão, ao contrário de A Criatura do Cemitério (leia aqui), também adaptado de Sombras da Noite. A começar pelo inspirado elenco, que reúne Ted Levine e Englund em atuações absurdas. O primeiro, conhecido como o assassino Buffalo Bill de O Silêncio dos Inocentes (1991), vive aqui um detetive cartunesco e rabugento, atormentado pela rotina de homicídios que precisa investigar. O eterno Freddy Krueger interpreta o dono da lavanderia, debilitado fisicamente pelos pactos de magia negra que fez ao longo da vida.
Os dois personagens entram em rota de colisão quando a tal máquina de lavar roupa começa a matar os funcionários da empresa em acidentes bem sanguinolentos, que Hooper filma com bastante sadismo. O policial, com a ajuda do cunhado, descobre que o aparelho está possuído por uma entidade demoníaca, alimentada pelos rituais de bruxaria do proprietário.
A trama toda é bem diferente do material original, em que King brinca com o próprio temor de ser arrastado para dentro do maquinário, que acidentalmente se tornou receptáculo de um demônio. Alguns conceitos são melhor explorados pela adaptação, como a geladeira assassina, apenas citada na história, mas que aqui ganha um momento só dela.
Como um filme de gênero, Mangler – O Grito de Terror carrega muitas marcas. A lavanderia industrial se configura como um espaço de condições laborais precárias, como se fosse uma fábrica britânica do século XIX, período glorioso para o horror clássico. O cenário é cheio de metais e parece abandonado mesmo quando está repleto de gente. A ambientação casa perfeitamente com o desfecho, quando a máquina ganha vida e parte para cima dos protagonistas. É um momento estranho, mas diverte bastante.