Novembro será um mês importante para José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Depois de passar meses internado em uma clínica em 2014 após um infarto, o cineasta volta aos holofotes da imprensa com uma série de homenagens ao conjunto de sua obra. No Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, uma exposição celebra o conjunto de sua obra. Um seriado que adapta suas aventuras por trás das câmeras, protagonizado por Matheus Nachtergaele, estreia no canal Space no dia 13. Para completar, a biografia do diretor escrita pelos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti chega às livrarias em uma nova edição, revisada e ampliada, com acabamento de luxo pela Darkside.
A festa chega com um ano de atraso do 50º aniversário do lançamento de À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), provavelmente uma das obras mais importantes da história do cinema brasileiro. Feito basicamente sem dinheiro, mas muita força de vontade, a produção se tornou um marco cultural por ser a primeira fita deliberadamente dedicada ao horror no país.
O pioneirismo era consciente. Mojica tinha confiança que a narrativa sobre um sanguinário coveiro com vestes de um conde britânico do século 19 e obsessão por uma mulher que lhe desse um herdeiro seria um sucesso. Vendeu as próprias roupas para bancar o projeto. No limite do endividamento, passou os direitos de distribuição para outros.

A obra foi um baita sucesso. O cineasta, que não ganhou nada das bilheterias, imprimiu ali as sementes do que se tornaria um fênomeno da nossa cultura popular do século passado. Zé do Caixão virou franquia. Programas de televisão, jingles carnavalescos, histórias em quadrinhos e até produtos de beleza usaram o personagem como marca.
A exposição midiática excessiva fez com que o público esquecesse o quanto Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967), O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968) e O Ritual dos Sádicos (1970) eram pesados enquanto títulos de horror. Doentios, diriam alguns críticos norte-americanos. Quem olha só para a obra não imagina que as pessoas possam rir de Zé do Caixão. O personagem é cruel, impiedoso, machista e ateu. Zomba de fiéis cristãos em procissão de Sexta-Feira Santa. Questiona o poder divino. Desafia tradições. O sadismo do coveiro é tão profano que vira uma força de influência negativa, capaz de gerar pesadelos e enlouquecer.
Quem olha só para a obra de Mojica dificilmente acha o personagem Zé do Caixão engraçado. Os críticos americanos veneram o modo como o personagem representa a violência.
O mais impressionante é que o que se vê nos filmes de Mojica são enquadramentos instintivos de um sujeito que aprendeu a filmar dentro de uma sala de exibição. Os bastidores das produções são folclóricos. Para fazer um fantasma brilhar em À Meia-Noite Levarei Sua Alma, o cineasta colou purpurina frame a frame no negativo. No estúdio, uma densa floresta virava árvores roubadas em um fundo preto. Sem dinheiro para hotel, os atores se revezavam para dormir nos caixões.

Os pesquisadores do horror no cinema nacional costumam traçar a história do gênero no país a partir da estreia do filme de 1964. Antes disso, as produções apresentavam temas sobrenaturais que lidavam com a morte de forma tímida. Depois, vampiros, fantasmas, monstros e assassinos se tornaram personagens frequentes na nossa filmografia.
Em Encarnação do Demônio (2008), última aparição de Zé do Caixão nas telonas, o coveiro finalmente consegue engravidar mulheres dignas de seu sangue. É curioso que, após essa despedida, o horror brasileiro ressurgiu com nomes como Rodrigo Aragão, Joel Caetano, Paulo Biscaia Filho, Kapel Furman, Armando Fonseca e Raphael Borghi, entre inúmeros outros. É como se todos fossem herdeiros de seu legado.