Em um dos ensaios do livro Da Natureza dos Monstros (Arte & Ciência, 1998), Luiz Nazário afirma que a mitologia ocidental dos vampiros se consolida como fenômeno cultural após a publicação de Drácula, de Bram Stoker. Uma das origens da lenda, porém, estaria em personagens históricos que tiveram seu legado marcado por crimes brutais.
Vlad Tepes, o cruel empalador romeno do século XV, talvez seja o mais famoso. A ponto de ser apresentado como o próprio Drácula em algumas adaptações da obra de Stoker para o cinema.
É possível que a fronteira entre o real, a ficção e o imaginário seja bem mais embaçada do que estamos acostumados a admitir.
Outro nome apontado como inspiração para a mitologia vampiresca é o francês Gilles de Rais, que combateu ingleses na Guerra dos 100 anos ao lado de Joana D’Arc. Além de ser conhecido no campo de batalha, ele era um notório assassino e estuprador de crianças. Acusado de mais de 200 assassinatos, foi executado pelos crimes em 1.440. Há ainda Isabel Bathory, a Condessa Sangrenta, que no início do século XVII matou e bebeu do sangue de dezenas de jovens mulheres.
Na tese de Nazário, essas figuras da nobreza foram pouco a pouco decantadas até se tornarem fonte da literatura popular europeia no século XIX. Em sua reflexão sobre o tema, o autor nos dá pistas de um debate sobre uma dimensão importante do horror: o gênero nos ajuda a compreender aspectos mais sombrios da natureza humana.
Será que não estamos buscando sentido nos assassinatos brutais das páginas dos jornais quando vemos uma obra de ficção extrema e violenta como Quadrilha de Sádicos (1977) ou O Albergue (2005)? Não olhamos fascinados para o gore, para o splatter e para o torture porn como uma maneira de entender (mas nunca aceitar) como esses crimes são possíveis num mundo racional?
Em Serial Killers, anatomia do mal (2013, Darkside), Harold Schechter explica que, em uma Europa pré-moderna e com baixíssimos índices de alfabetização, a percepção de assassinatos brutais muitas vezes era atribuídas a monstros. O lobisomem é uma criatura frequentemente associada aos relatos da época sobre crimes brutais, vistos como inconcebíveis e impraticáveis pelo homem.
No século XVI, um romeno chamado Peter Stubbe era conhecido como o “Lobisomem de Bedburg”. De acordo com Schechter, o sádico criminoso se alimentava das vísceras de suas vítimas. Chegou a matar a própria família. Como os corpos eram encontrados de dia, presumia-se que os ataques eram feitos à noite – com o criminoso assumindo sua forma de lobo.
Em termos mais figurativos, ainda vemos a mídia recorrendo ao horror para construir discursos sobre criminosos. Marcelo Costa de Andrade, acusado de matar ao menos 14 crianças, ficou conhecido nos jornais brasileiros como o “Vampiro de Niterói”. Albert Fish, um dos mais notórios serial killers norte-americanos da década de 1930, foi chamado de “Lobisomem de Wysteria” pela imprensa. Não raro, vemos a palavra “monstro” sendo usada para descrever Suzane von Richthofen.
É possível que a fronteira entre o real, a ficção e o imaginário seja bem mais embaçada do que estamos acostumados a admitir. Criamos monstros todos os dias como uma forma de negarmos a possibilidade de que os seres humanos são capazes de cometer atrocidades com um semelhante. Da mesma maneira, redimensionamos esses crimes como entretenimento para aliviar o peso da existência de um mundo que, por vezes, consideramos bem cruel.