Em uma das cenas de Blácula, o Vampiro Negro (1972), dois policiais brancos patrulham uma rua movimentada em busca de um suspeito negro. Um deles avista o sujeito e, como não tem certeza se é o mesmo que procuram, joga a dúvida para o colega. “Não sei. Eles são todos iguais”, responde o oficial com desdém.
Dirigido por William Crain, um dos primeiros diretores americanos negros a trabalhar com o cinema de horror, Blácula se tornou um marco racial no gênero. Lançada com um elenco quase inteiramente negro, a produção conta a história de um príncipe africano que, durante uma visita à Transilvânia do século XVIII, é aprisionado em um caixão e sentenciado à vida eterna por Drácula racista.
O ator William Marshall interpreta o protagonista. Segundo histórias de bastidores, ele foi um dos responsáveis por manter a trama séria – honrando o drama de seu personagem. O resultado é um filme que, embora seja fruto de uma tendência de mercado (que tentava alcançar o público negro), surge como um manifesto sobre a luta racial nos Estados Unidos.
Simplesmente por propor uma releitura de um enredo tipicamente materializado com brancos, Blácula, o Vampiro Negro já parece um manifesto.
Na condição de anti-herói, Blácula entra em uma sociedade profundamente segregada. Os poucos personagens brancos estão em papéis pequenos ou servem ao status quo do racismo. Diante da aparição de cadáveres pela cidade, o delegado responsável pelo caso rapidamente aponta o dedo para os Panteras Negras.
Se o investigador vivido por Thalmus Rasulala, sugestivamente chamado sempre de Dr. Gordon Thomas, não fosse negro, o filme se tornaria ainda mais panfletário. Afinal, o vampiro morre encurralado pelas forças policiais, depois que seu grupo de convívio é massacrado e sua amada assassinada. O desfecho parece traçar um diálogo com o de A Noite dos Mortos-Vivos, de George Romero. A única diferença é que, aqui, a crítica social é absolutamente intencional.
A produção abriu as portas para a realização de uma porção de outras interpretações raciais de histórias clássicas do horror. A mais gritante é Blackenstein (1973), dirigida por William A. Levey, cujo título dispensa apresentações. Tem também a sequência Os Gritos de Blácula (1972), de Bob Kelljan; A Vingança dos Mortos (1974), de Paul Maslansky, que acompanha uma mulher negra que usa zumbis para se vingar da morte do marido; e Monstro sem Alma (1976), também de Crain, que adapta O Médico e o Monstro para a temática negra.
Simplesmente por propor uma releitura de um enredo tipicamente materializado com brancos, Blácula, o Vampiro Negro já parece um manifesto. É o Corra! (2017) de seu tempo, inserindo comentários ácidos sobre as diferenças de raça na nossa sociedade sem precisar abandonar sua narrativa – claramente voltada para entreter o público. E o mais assustador é que o filme, lançado há 46 anos, continua com uma mensagem relevante para o mundo.