O uso contínuo de distopias no cinema fantástico nas últimas décadas parece refletir nosso descontentamento natural com o mundo em que vivemos. Uma produção como Mad Max: Estrada da Fúria (2015), afinal, é um retrato visceral de nossa desconfiança com o próximo e do nosso pessimismo com o futuro, em que viveremos sempre sozinhos.
Em A Estrada (2009), adaptação do romance homônimo de Cormac McCarty, o diretor John Hillcoat mostra uma sociedade aos pedaços, protagonizada por perigosos seres que não conseguem se relacionar sem entrar em conflito. O que mantém os personagens protagonistas intactos é o laço familiar, estabelecido pela paternidade.
O elemento familiar também é o que conduz o grupo liderado por Rick Grimes (Andrew Lincoln) em The Walking Dead. O seriado da AMC conduz seus heróis em uma sociedade pós-apocalíptica, que tenta se reerguer com novas regras sociais. O isolamento é um recurso necessário para a sobrevivência de muitas comunidades retratadas no programa.
Ao assistir a essas narrativas, dificilmente não exercemos algum tipo de projeção. Vivemos no equilíbrio da relação com o próximo e o otimismo com o futuro, mas imaginamos como seria construir um novo mundo, sozinhos.
Essa tradição da popular série de zumbi foi herdada diretamente do cinema de George Romero, que representou o potencial destrutivo da sociedade logo em seus primeiros filmes, mostrando que uma nova concepção de convivência surge em um mundo sem regras. Às vezes, era conflituosa, como em A Noite dos Mortos-Vivos (1968), mas também pode ser entediante e até divertida como em Despertar dos Mortos (1978). Nessa segunda produção, o diretor coloca um núcleo de personagens dentro de um shopping center, que passa boa parte do tempo lá dentro desfrutando das atrações do local até ficarem entediados com a repetitiva rotina e a inutilidade do consumo.
Ancestral dos filmes de zumbi, o livro Eu Sou a Lenda (1954), de Richard Matheson, é bem mais pessimista. Sem convívio com outras pessoas durante a maior parte do enredo, Robert Neville caminha meio sem rumo pela cidade em que vive. Atormentado pelos vampiros que odeia durante a noite. Sua condição de isolamento pleno é naturalmente marcada por um questionamento existencial.
Mesmo a adaptação mais cafona da obra de Matheson, A Última Esperança da Terra (1971), carrega traços desse existencialismo. Somos humanos se não convivemos com ninguém? A ideia, que evoca lições básicas de sociologia, costumeiramente opõe os bestiais vampiros ou zumbis de narrativas distópicas a uma suposta animalidade dos seres humanos. Negan, o vilão de The Walking Dead, é recorrentemente associado a uma monstruosidade moral.
Um filme como Terra Tranquila (1985) parece problematizar ainda mais essa noção, ao excluir a ameaça da narrativa. Na produção, um homem, vivido por Bruno Lawrence, acorda sozinho no planeta. Sem ninguém com quem conversar, ele vai, aos poucos, abandonando sua antiga rotina e passa a desrespeitar qualquer noção de convívio (como o uso de roupas). O proveito dura pouco, pois abandonado à própria sorte, ele cai na depressão até encontrar uma mulher mais nova na mesma condição.
O recente Bokeh (2017) parece ir pelo mesmo caminho. Um casal de namorados, interpretados por Maika Monroe e Matt O’Leary, está em uma viagem romântica pela Islândia quando descobrem que todas as outras pessoas desapareceram do local. Ele mergulha na esperança de conseguir uma vida nova, com os recursos oferecidos pela região e pela natureza. Ela afoga em um deprimente pessimismo, pois não se sente viva sem as práticas e as pessoas que a ajudaram a ser quem ela é.
Ao assistir a essas narrativas, dificilmente não exercemos algum tipo de projeção. Vivemos no equilíbrio da relação com o próximo e o otimismo com o futuro, mas imaginamos como seria construir um novo mundo, sozinhos. Às vezes, isso pode parecer um pesadelo. Uma criança adora brincar longe dos olhos da mãe, mas sempre teme perdê-la.