O primeiro Godzilla (1954) é dos meus filmes favoritos. A fotografia em preto e branco é linda, os efeitos especiais são incríveis e a trilha sonora, perturbadora. Como metáfora dos horrores humanos, é um soco no estômago. Uma obra perfeita, que amedronta e faz pensar. O diretor Ishirô Honda (1911 – 1993) bolou o argumento da produção após viajar a Hiroshima e Nagasaki para conferir os efeitos da bomba atômica. A partir do que viu, criou o conceito de uma força de radiação que destrói o caminho por onde passa de forma incontrolável. Godzilla é a representação de um tormento, um vislumbre da morte e a materialização da nossa culpa.
Enquanto elemento essencial para o cinema de horror (leia mais), o monstro é sempre um tipo de alegoria. É uma anormalidade física ou um distúrbio de comportamento que coloca a vida humana em risco, mas há maneiras diferentes de interpretá-lo, evidentemente.
John Landis, diretor de Um Lobisomem Americano em Londres (1981), é tão fascinado pelo bestiário cinematográfico que escreveu um livro sobre o tema. Em Monsters in the Movies (2011), o cineasta preenche páginas e páginas com imagens de criaturas que assombram películas de horror e fantasia desde o fim do século XIX. A única justificativa para a determinar quais personagens apareceriam na obra, explica no prefácio, é a de que o visual fosse “cool”.
Na Idade Média, qualquer pessoa que tivesse uma deformidade era considerado uma aberração. Há muitas histórias fantásticas sobre criaturas que são meio humanas, como o Minotauro.
“A palavra ‘monstro’ vem do latim, monstrum. ‘Monstrouso’ significa perversão de uma ordem natural, geralmente biológica. É uma expressão associada a algo errado ou sinistro. Um monstro é psicologicamente ou mentalmente detestável, não raro uma aberração de aparência e comportamento. Está associado ao conceito de mal, no pensamento e na ação. Isso inclui quem tem aparência normal, mas se comporta de maneira repreensível também são assim denominadas”, esclarece Landis.
Intrigado conceitualmente com a ideia do monstro, o cineasta vai atrás de outras percepções de profissionais da indústria que lidam com o tema em suas obras. É o caso de Joe Dante, que pensa a monstruosidade como um elemento de estranheza na sociedade. “Na Idade Média, qualquer pessoa que tivesse uma deformidade era considerado uma aberração. Há muitas histórias fantásticas sobre criaturas que são meio humanas, como o Minotauro”, diz o diretor de Gremlins (1984).
Dante e Landis fazem parte de uma mesma geração de artistas que apresentou, durante a década de 1980, um cardápio de bestas que foram responsáveis por tirar o sono de muita gente. Muitas dessas obras se beneficiaram de tecnologias avançadas de efeitos visuais – banalizadas pela computação gráfica na década seguinte. É o caso de Grito de Horror (1981), A Mosca (1986) e O Predador (1987).
O fascínio desses cineastas é oriundo de uma experiência da infância com filmes de horror da década de 1950. “Nós éramos crianças impotentes e os monstros eram seres que não se encaixavam na sociedade e se vingavam de forma violenta por isso. Então, como garotos, você se sente poderosos ao assistir essas coisas”, explica Dante. No mesmo livro, o mestre dos efeitos visuais Ray Harryhausen (1920 – 2013) rejeita a ideia do monstro como uma ameaça nos filmes de horror. “Não gosto do termo porque não é o que fazemos [em nossas produções]. Nossas criaturas são seres incompreendidos, porque vêm de outros mundos, geralmente.”
Godzilla, portanto, ao mesmo tempo em que se mostra como um agente poderoso de destruição, anormal e violento, também provoca empatia do público por não se encontrar em nosso mundo. Ele é como Frankenstein, criado e rejeitado pela humanidade.
Nas entrevistas de Monsters in the Movies, quem melhor desenvolve um argumento para discutir essa complexidade do monstro é John Carpenter: “Primeiramente, somos nós. É a parte sombria do coração da humanidade. Mas também é o outro: a outra tribo, a outra pessoa, aquele que parece diferente, os demônios vorazes que estão lá fora”. A resposta do diretor de Halloween (1978) serve como provocação. Quando vemos um monstro em um filme de horror estamos diante do nosso próprio reflexo ou da representação de alguém que não conhecemos?