O primeiro encontro do cinema com o horror aconteceu logo na primeira exibição cinematográfica aberta ao público no Grand Café, em Paris, em dezembro de 1895. Na tela, um trem partia de uma estação em direção aos espectadores que, assustados, chegaram a se levantar das cadeiras para evitar a colisão. Era a primeira cena do gênero na história da sétima arte.
Como já vimos (leia mais), o sentimento do público diante da perspectiva de ser atropelado pelo trem em 1895 era do campo do horror natural – pois não se tratava de uma narrativa ficcional com um elemento ameaçador e repulsivo. Esse tipo de horror, baseado em representações altamente realistas, era um sentimento muito procurado nas atrações de Paris das últimas duas décadas do Século XIX.
A psicanalista Tania Rivera, no livro Cinema, Imagem e Psicanálise, revela que, no período, “Paris estava tomada por vitrines de apresentação da vida ‘como ela é’, testemunhando (e construindo) uma busca popular por espetáculos de realismo extremo”. Um dos exemplos mais sintomáticos desse fenômeno foi a exposição de cadáveres no necrotério da cidade. Em 1886, o corpo de uma menina de quatro anos levou ao necrotério 150 mil espectadores, revela a autora.
A primeira exibição do cinema, portanto, representou os anseios de um público que buscava uma representação realista da sociedade, mas não só isso. A invenção do cinematógrafo possibilitou a inovação e a fantasia. Não levaria muito tempo para que essa capacidade de ilusão do cinema transformasse esse horror natural em artístico. Enquanto isso não acontecia, os filmes que representavam a realidade rapidamente ganhavam popularidade e se expandiam – com os equipamentos dos irmãos Lumière na Europa e os do inventor Thomas Edison, nos Estados Unidos.
Após assustar o público em sua primeira sessão, não levaria muito tempo para que os pioneiros do cinema descobrissem o potencial da sétima arte para criar monstros, fantasmas e outras aberrações que nos levariam à gênese do cinema de horror.
Um dos primeiros diretores a ver o potencial do cinema fantástico e a explorar fantasmas, demônios e outras criaturas em suas narrativas foi o francês George Méliès. Segundo o historiador Carlos Clarens, no clássico An Illustrated History Of Horror And Science-fiction Films, o cineasta descobriu acidentalmente o potencial ilusionista do cinema. Um dia, enquanto filmava uma cena de rua em frente a Opera de Paris, a câmera atolou no chão e interrompeu a rodagem do filme por alguns segundos. Quando viu o material, o artista estava impressionado por ver que um ônibus havia se transformado em um caixão. O filme havia parado e o tempo não.
Não demorou muito para Méliès dominar o aparelho e passar a fazer pessoas desaparecerem e conviverem com peixes no oceano. Seu ápice, e também seu filme mais lembrado, foi Viagem à Lua (1902), adaptação do romance de Júlio Verne. Nele, marcianos se tornam ameaça aos visitantes terráqueos – sendo os primeiros monstros retratados pelo cinema. Em The Conquest of the Pole (1912), por sua vez, o diretor conseguiu criar, através de colagens, bonecos e sobreposição de películas, um monstro polar gigante capaz de segurar os personagens humanos na mão.
Essas trucagens cinematográficas de Méliès acabaram se tornando muito influentes para o cinema, de uma maneira geral, mas especialmente para o gênero fantástico – do qual o diretor é considerado “o pai”. Paralelamente à obra de Méliès, no entanto, outros produtores passaram a produzir filmes com temáticas de horror.
Carlos Clarens comenta que nos Estados Unidos foram realizadas, no fim da primeira década do Século XX, adaptações de clássicos literários que se aproximavam muito do que se tornaria o gênero na década seguinte. Em 1908, por exemplo, foram lançados filmes como Dr. Jekyll and Mr. Hyde – adaptação do romance homônimo de Robert Louis Stevenson –, Sherlock Holmes and the Great Murder Mystery – inspirado no personagem de Arthur Conan Doyle – e Murders in the Rue Morgue – baseado no conto de Edgar Allan Poe. Mas nenhuma dessas obras apresentou os elementos suficientes para que pudessem ser caracterizadas como horror, segundo o autor. Isso só aconteceria nos anos seguintes.