O sociólogo polonês Zygmunt Bauman defende que a sociedade contemporânea é marcada de valores que se esfacelam como poeira diante das demandas do sistema capitalista. Nossas relações sociais, princípios e até a nossa própria identidade são desconstruídas e redefinidas com facilidade com novos agentes. Nessa liquidez do mundo moderno, nada pode ser considerado seguro.
The Belko Experiment (2016), novo filme do diretor australiano Greg McLean escrito por James Gunn, parece interessado em explorar esse aspecto volúvel da nossa própria humanidade. Na trama, um grupo de trabalhadores é confinado no prédio corporativo em que trabalham e são obrigados a matar uns aos outros para poderem continuar vivos em uma espécie de experimento social.
Deliberadamente, os primeiros minutos da obra mostram uma interação bastante civilizada entre os personagens. Um pai de família exibe as fotos da viagem que fez com os filhos para um colega. Uma jovem é apresentada aos novos e receptivos colegas. Um grupo de amigos divide um baseado escondido no terraço do prédio.
Quando não pensamos direito e simplesmente aceitamos as regras, naturalmente nos tornamos inimigos uns dos outros.
Quando uma voz expõe as regras do jogo e mostra que as ameaças são sérias, as relações previamente estabelecidas são completamente desconstruídas. “Em uma hora, trinta de vocês precisam morrer”, diz uma voz ao microfone. Como se fosse uma alegoria ao próprio sistema capitalista e ao estímulo irracional pelo consumo, os empregados começam a perder valores e traços de suas identidades. Viram seres bestiais e violentos, como esperado em um filme de horror.
O filme de McLean não é, nem de longe, o primeiro a discutir o tema da liquidez dos valores e da própria humanidade em uma narrativa de sobrevivência em uma partida literal de mata-mata.
Anteriormente, a aventuresca série Jogos Vorazes (2012 – 2015) fazia uma trajetória semelhante ao colocar um grupo de adolescentes para lutar até morrer em um reality show para divertir uma elite endinheirada em um futuro distópico.
A maior influência para essas duas obras é a produção japonesa Batalha Real (2000), dirigida por Kinji Fukasaku e baseada no livro Battle Royale, de Koushun Takami. Na violenta adaptação cinematográfica, em um futuro também distópico, os adultos têm dificuldade para conter a rebeldia e os ataques de adolescentes. Uma legislação estabelece que uma turma participe de um jogo no qual devem matar uns aos outros até que apenas um sobreviva.
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Jovens são mortos por seus melhores amigos, interesses amorosos e desafetos do colégio. Qualquer motivo serve para transformar a relação social em um conflito de larga escala. Todos vivem no limite do estresse provocado pelo ambiente, adaptando-se ao que é colocado pelo sistema e sendo engolido por ele quando se recusa a participar da brincadeira. Algo semelhante a nossa própria condição nesses tempos modernos.
Um pouco mais estranho, mas mesmo assim interessante enquanto discurso social sobre a velocidade com que perdemos nossos princípios e valores, é o título independente Circle (2015), de Aaron Hann e Mario Miscione. Na tela, há 50 pessoas de pé em um círculo que não podem se mexer. Como em The Belko Experiment, eles participam de um experimento, que parece ser alienígena, no qual devem votar pela morte de um deles a cada dois minutos.
Como não há muito tempo para decidir quem vai morrer ou não, os sobreviventes precisam articular a próxima vítima entre eles no discurso. Quem faz comentários machistas, homofóbicos ou racistas rapidamente perde o direito de viver. Afinal de contas, não há espaço para relações solidas e profundas no mundo acelerado. Quando não pensamos direito e simplesmente aceitamos as regras, naturalmente nos tornamos inimigos uns dos outros. Exatamente como ocorre no mundo real.