A série documental The Keepers (2017) integra um grupo bastante heterogêneo de obras que podem ser chamadas de documentários de horror. O programa da Netflix, que estreou em maio, acompanha um documentarista que registra os esforços de um grupo de investigadores independentes que trabalham para solucionar o assassinato de uma freira em 1969 (leia mais).
Muito além de ser uma narrativa criminal, o seriado parece abraçar o mistério como um elemento capaz de amedrontar na história – que envolve abusos sexuais de adolescentes pela igreja católica e uma rede de acobertamento estatal. O diretor Ryan White adota uma trilha melancólica e encenações de cenas do passado que realmente assustam ao vislumbrar o lado monstruoso do ser humano.
Em uma dos momentos da trama, que é particularmente assustador, uma mulher se recorda dos delírios do tio, que vê o fantasma da moça assassinada em um manequim. A ilusão é provocada por algum tipo de culpa que ele carrega por, supostamente, ter se envolvido no crime quando mais novo.
A realidade, às vezes, é mais difícil de entender do que a ficção.
Os documentários de horror são elaborados como contos de fantasmas, geralmente abordando eventos reais que tem dimensões inusitadamente cruéis. É o caso de Beware the Slenderman (2017) (leia mais), sobre a tentativa de assassinato de duas meninas que se diziam influenciadas por uma lenda da internet, ou Dear Zachary: A Letter to a Son About His Father (2008), sobre um casal de idosos que precisa conviver com a assassina do filho para poder passar um tempo com o neto.
A morte é perturbadora o bastante para nos tirar da zona de conforto, mexer com nossas crenças e testar os nossos medos. Nas décadas de 1980 e 90, o diretor John Alan Schwartz fez bastante sucesso com a franquia As Faces da Morte, que mostrava cenas de mortes reais. Sucesso nas videolocadoras, subgênero praticado pelo cineasta ficou conhecido como shockumentary, justamente por retratar a realidade objetivando o choque.
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The Keepers parece ter a mesma intenção, de chocar e assustar, quando narrativa é construída a partir de uma teia de mistérios sombrios demais para serem compreendidos e decifrados. Em certa medida, a trama ecoa There’s Something Wrong With Aunt Diane (2011), documentário da HBO que narra um acidente no qual uma mulher, aparentemente sã, dirige uma van com filhos e sobrinhos na contramão por quilômetros até morrer. A realidade, às vezes, é mais difícil de entender do que a ficção.
Alguns documentaristas de horror, como Joshua Zeman ou Rodney Ascher, extrapolam os limites que separam os fatos de suas versões fantasiosas. O primeiro brinca com o modo como as lendas urbanas de maníacos dialogam com crimes brutais norte-americanos em títulos como Cropsey (2009) e Killer Legends (2014) (leia mais). O segundo dá liberdade para que outros criem teorias da conspiração e contatos com outros mundos em filmes como O Labirinto de Kubrick (2012) e The Nightmare (2015) (leia mais).
O canal National Geographic com frequência também adota o horror como elemento primário de suas produções. O princípio da veracidade, nesses casos, nem sempre é levado a sério. É o caso dos inúmeros de especiais sobre sereias, criaturas marinhas e alienígenas que povoam a programação do canal. De uma certa forma, são falsos documentários – que estão a um passo de serem considerados mockumentaries ou found footages, formatos genuínos da ficção cinematográfica de horror.