Recentemente, um conhecido no Twitter criou uma lista recomendado produções trash para seus seguidores. O levantamento incluía títulos como Halloween (1978), A Hora do Espanto (1985) e A Mosca (1986). Aos meus olhos, a seleção parecia, no mínimo, controversa
Sempre me incomodei com o uso da expressão trash para designar obras de baixo orçamento. Especialmente porque o termo literalmente chama o trabalho de outra pessoa de lixo. Sei que cada um tem o direito de dar o nome que quiser para um grupo de filmes, mas a trajetória histórica da expressão evoca um certo elitismo cultural.
Trash é, antes de tudo, um conceito associado a uma estética de “mau gosto”, o que por si só já é uma ideia problemática (quem somos nós para dizer o que é bom ou mau?). No livro O Cinema Trash e a Reciclagem Cultural, o pesquisador brasileiro Juliano Ferreira Gonçalves afirma que a expressão possui uma definição nebulosa na academia, embora seja facilmente reconhecida pelo senso comum. Usamos ela como sinônimo para filmes baratos, que sejam sujos e transgressores.
Descrever um longa-metragem como trash me parece uma maneira de desqualificar uma obra ao mesmo tempo em que se justifica a apreciação dela.
O trabalho de cineastas como John Carpenter, Tom Holland e David Cronenberg simplesmente não se encaixa nessa classificação, que provavelmente seria mais apropriada às produções de Lloyd Kaufman, Frank Henenlotter e Peter Jackson (no começo da carreira). Bad Taste, dirigido por Jackson em 1987, chegou a ser lançado no Brasil como Trash – Náusea Total. Ali, o que aparece na tela é autoconsciente dos escassos recursos, exagerado e ultrajante. É um longa-metragem que aposta na exploração do sangue para garantir a atenção do público.
Em sua dissertação A Cultura do Lixo: Horror, Sexo e Exploração no Cinema, o pesquisador Lúcio de Franciscis dos Reis Piedade afirma que o Brasil passou por um “modismo trash” nos anos 1990. Nesse período, fanzines, mostras de cinema e até programas de televisão faziam referência ao termo – consolidando-o no imaginário nacional.
O exemplar mais importante da trashmania talvez tenha sido o Cine Trash, que era exibido nas tardes da TV Bandeirantes e apresentado pelo cineasta José Mojica Marins. Enquanto a Sessão da Tarde, da Rede Globo, exibia majoritariamente filmes considerados de “bom gosto” para a família toda, Zé do Caixão saía de um mausoléu para anunciar uma fita sangrenta e amaldiçoar o público com suas longas unhas na concorrência (leia mais).
Parece-me que o senso comum de associar a expressão trash a qualquer narrativa com cenas de sangue, independentemente de valores de orçamento, é um costume herdado desse período. Lembro-me que a refilmagem de A Noite dos Mortos-Vivos (1990), dirigida por Tom Savini, foi uma das produções que passaram no programa de Mojica. A estética do filme em nenhum momento parece pobre e a trama não apela para o escatológico ou para o exagero. É uma história de horror, mas nunca com aparência de lixo. Isso não impediu o meu conhecido de colocá-la na sua lista ao lado dos títulos citados no primeiro parágrafo deste texto.
Descrever um longa-metragem como trash me parece uma maneira de desqualificar uma obra ao mesmo tempo em que se justifica a apreciação dela. Soa como uma tentativa de simplificar o próprio papel enquanto espectador, que não assume o prazer que sente em imagens de violência, transgressão e morte. Não deixa de ser, também, uma forma de não levar a sério essas produções, que deixam de ser cinema para virar algo menor – a ser descartado na lixeira mais próxima.







