Um Lugar Silencioso estreou há mais de um mês nos cinemas do mundo todo e se tornou um dos eventos mais importantes do ano para o gênero do horror. Comandada e estrelada pelo ator John Krasinski, a narrativa sobre uma família que vive em silêncio em uma fazenda para evitar virar comida de monstros foi aclamada pela direção inspirada e sua capacidade de construir tensão usando muito pouco. Virou um fenômeno de bilheteria.
Embora também tenha sido elogiado por uma suposta inventividade do argumento da trama pela crítica e pelo público, o filme recorre a estratégias e a imagens que são bastante consolidadas no cinema de horror. Um exemplo disso é a prática de esconder o monstro do público para estender a sensação de ameaça contínua na tela.
Krasinski mostra apenas o que precisa das criaturas. Na maior parte da obra, vemos relances de suas aparições, sempre rápidas e desfocadas. Esses momentos servem como indicações de que estão ali, mas sem revelar demais de sua aparência. A estratégia tem ecos fortes nas lições deixadas pelo Tubarão (1977), de Steven Spielberg, para o cinema de horror.
Na direção, Krasinski escapa de repetir tantos clichês quanto poderia com a trama. É como se tentasse criar algo novo, a partir de colagens competentes de outras obras.
Spielberg, é claro, emprestou muitos recursos do cinema de Alfred Hitchcock ao deixar evidente que seu tubarão estava por perto, sempre ameaçando os personagens que não sabiam de sua existência. Esse não é o único diálogo indireto com a herança hitchcockiana explorado em Um Lugar Silencioso.
O filme também apresenta seus personagens e as circunstâncias que o levaram até ali por indícios, como recortes de jornais e objetos deixados pelo cenário. Exatamente como faz o mestre do suspense em cenas como a abertura de Janela Indiscreta (1954), outro filme sobre observar e fazer silêncio.
O uso de um milharal como principal palco para os conflitos da trama é outra apropriação da iconografia de horror feita por Krasinski. Adotado em tantos títulos como um espaço de indefinição da presença de uma ameaça – Colheita Maldita (1984), A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999) e Sinais (2002) são alguns deles -, a plantação de milho surge como um recurso pouco inspirado de direção de arte. É inegável, porém, que o ambiente funciona para a proposta da obra.
Na direção, Krasinski até escapa de repetir tantos clichês quanto poderia com a trama. Seu esforço em usar a câmera como principal condutor dos conflitos garante uma resposta de angústia do público. Por isso, as colagens de outras obras não parecem ser tão problemáticas, visto que o filme tem outras qualidades narrativas.
Em um momento em que o público dá atenção para obras como O Babadook (2014), Corrente do Mal (2015) e A Bruxa (2015), Um Lugar Silencioso soa conservador. Tais obras tensionam os limites do senso comum do gênero. O longa-metragem de Krasinski quer honrá-los e o faz com alguma competência.
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Um crítico da revista norte-americana The New Yorker fez críticas mais severas ao aspecto político da obra. No texto, ele descreve o longa-metragem como um anti-Corra! (2017), por valorizar a família tradicional branca, paternalista e dependente da imagem de um pai que os protege com um rifle. Recomendo a leitura.