A estreia de A Bruxa (2015) no início de março ofuscou o debate sobre outros lançamentos do cinema de horror. Por semanas, a obra de Robert Eggers suscitou acaloradas discussões sobre as expectativas do público, a necessidade de sustos no gênero e a fundação hipócrita da sociedade norte-americana.
Enquanto o longa-metragem sobre uma família de religiosos assombrada pelo desaparecimento de um bebê se tornava um clássico instantâneo e ganhava fãs, uma porção de outros títulos foram ignorados. Muitos deles, provavelmente, fadados ao esquecimento. Se colocados lado a lado, porém, é possível perceber uma unidade: a preocupação com a união familiar.
Sei que esse tipo de abordagem gera questionamentos, mas gosto da ideia de identificar uma possível tendência temática no horror – especialmente norte-americano. É assim que se caracterizam ciclos de produções, como os slashers da década de 1980, as tramas sobre o demônio nos anos 70 e as ameaças nucleares em meados de 1950.
Ao discutir como pintores que nunca se conheceram produzem telas semelhantes em um mesmo período, o teórico Raymond Williams descreve um conceito chamado de estrutura de sentimento. Um conjunto de ideias, angústias e experiências circulam pela sociedade de forma quase inconsciente. Isso se materializa em produtos culturais contemporâneos.
Um conjunto de ideias, angústias e experiências circulam pela sociedade de forma quase inconsciente. Isso se materializa em produtos culturais contemporâneos.
Enquanto A Bruxa explora o colapso da relação entre pais e filhos, no irregular Floresta Maldita (2016), do estreante Jason Zada, Natalie Dormer vive uma mulher que busca sua gêmea desaparecida no Japão. Relances do passado das duas mostram os efeitos da separação, que motiva a personagem a enfrentar a floresta dos suicidas para procurar a irmã.
Em alguma medida, essa preocupação se repete em títulos como The Offering (2016), de Kelvin Tong; The Darkness (2016), de Greg McLean (2016); e O Sono da Morte (2016), de Mike Flanagan. Embora nenhum deles seja lá muito bom, os três mostram famílias enfrentando algum tipo de ameaça sobrenatural. A salvação? Manter-se unidos.
A necessidade de um lar com acolhimento parental também está presente no interessante Boneco do Mal (2016), de William Brent Bell. Na trama, uma mulher (Lauren Cohan) é bem paga para cuidar de um brinquedo tratado como uma criança de verdade por um casal doido de idosos. Sem ser visto, o objeto manifesta carência e necessidade de cuidado. O final sombrio vai pelo caminho oposto dos demais filmes citados até aqui, pois mostra que família é algo da qual se foge.
Essa mesma ideia é vista em Rua Cloverfield, 10 (2016), de Dan Trachtenberg. Em um abrigo, a salvo de uma ameaça desconhecida do mundo lá fora, o personagem de John Goodman projeta a lembrança da filha em uma moça (Mary Elizabeth Winstead) sequestrada de um acidente de carro. A formação familiar disforme dos dois, ao lado de um jovem desajeitado (John Gallagher Jr.), rapidamente se torna uma prisão, um espaço de violência a ser desarticulado.
Invocação do Mal 2 (2016), de James Wan, encerra esse primeiro ciclo do ano reforçando a temática. A desagregação familiar, aqui, é a porta de entrada de fantasmas e entidades demoníacas. Uma mãe solteira e os quatro filhos são salvos por Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga), casal que vive um relacionamento exemplar, amoroso e baseado na confiança.
Nesse sentido, a obra de Wan, segundo grande sucesso do gênero no ano, é bem mais conservadora do que A Bruxa. Talvez seja por isso que tem sido abertamente elogiada nessas últimas semanas. Tem o final feliz que queremos ver e ainda reforça valores familiares com os quais estamos mais acostumados.