Para um desavisado, a roupa do estilista Alexandre Linhares pode parecer estranha. Assimétrica, manchada, desestruturada, repuxada, sem acabamento.
Mas o fato é que esse menino curitibano cultivou seu espaço no restrito mercado local fazendo exatamente isso: roupas desalinhadas e livres de rótulos para um público seleto, ou, como ele gosta de falar, peças de arte vestíveis.

É com esse espírito libertário que esse moço de 32 anos se lança sempre em novos mares. Seus mergulhos já incluíram performances de nu, vestir-se de noiva num cruzamento fervilhante da cidade, um desconcertante desfile com o áudio de uma mulher parindo, um fashion show com “gente normal” nas coxias do Teatro Guaíra com recursos arrecadados de uma campanha na internet… A intenção é sempre provocar, contextualizar o ato de vestir nos dias atuais. E, claro, se fazer notar.

No ano passado, por intermédio de uma amiga em comum, Linhares foi ao encontro da cantora Elza Soares no camarim do show “Elza Canta e Chora Lupicínio Rodrigues”.
A intenção é sempre provocar, contextualizar o ato de vestir nos dias atuais. E, claro, se fazer notar.
Eles conversaram rapidamente, mas tempo suficiente para o carismático criador apresentar algumas fotos de seu trabalho e receber uma encomenda da cantora: um vestido com rosas.
Ela se recordou de quando o compositor Lupicínio Rodrigues, no final dos anos 60, lhe ofereceu rosas ao final de um show na Boate Texas, no Rio, dizendo a batida frase das cantadas baratas: “rosas para uma Rosa”. Esquiva, ela retrucou algo como “não sou Rosa e não gosto”. Era mentira, e ele também sabia que ela era Elza e não Rosa e tinha ido conferir a interpretação de sua música “Se Acaso Você Chegasse”.
Pouco tempo depois do encontro em Curitiba, Elza Soares recebeu novamente Alexandre Linhares, dessa vez em São Paulo, acompanhado de um vestido transparente de tule, com duzentas rosas vermelhas aplicadas e bordadas – todas feitas à mão.
Era um presente, um desapego considerável para quem ainda rala para pagar o aluguel do ateliê showroom na Prudente de Moraes – uma graça, diga-se de passagem!

Elza Soares, esse monumento da música brasileira, pisou no palco pela primeira vez com o vestido by Heroína (nome da marca de Alexandre) no dia 15 de abril de 2015. Ele guarda com carinho o vídeo em que ela menciona um certo “desenhista curitibano maravilhoso” que lhe vestiu de rosas e agradece naquele supremo ato humilde dos grandes artistas.
A partir daí, os dois passaram a se corresponder e, quando Elza ficou uma semana em cartaz no Teatro da Caixa, em Curitiba, pode fazer a prova do figurino de seu novo show, “A Mulher do Fim do Mundo”. Desta vez a escolha recaiu sobre uma peça mais atrevida, dark, que foi moldada no corpo da cantora. Um macacão preto de vinil (encomenda dela) com chifres no ombro (sugestão dele) feitos com massa de modelar e correntes que descem pelo corpo. Alguns metros de pura provocação que casam bem com o vozeirão rouco da mais jazzística de nossas divas. E com o discurso do nosso jovem barbado.

Para quem estiver na plateia do teatro Guaíra no próximo dia 6 de maio, não passará desapercebida a impactante colisão entre o figurino e a arte que permeia a atmosfera do show a “A Mulher do Fim do Mundo”. O trabalho de um jovem arquiteto da indumentária que se nega a resumir a moda com frivolidade, usando suas criações como suporte de expressão.
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