Sempre gostei mais da voz da Elis e da Bethânia, mas sempre simpatizei mais com a Rita. O “também” do título é autoexplicativo: Rita Lee é a maior rock star brasileira de todos os tempos, mas também escreveu um capítulo importante no que se refere a identidade de moda desse país desde que surgiu com os dois irmãos Batista (Arnaldo e Sérgio) para o grande público n’Os Mutantes. Era final dos anos 60 – mais precisamente no Festival da Record de 1967 – quando a banda acompanhou Gilberto Gil em “Domingo no Parque” com seu estilo vanguardista e provocador. Em sua autobiografia, lançada no final de 2016, a paulista, de mãe italiana e pai norte-americano, descreve alguns capítulos deliciosos de sua ousada trajetória na música, na vida e na moda.

Como meu negócio é a moda, destaco o episódio em que certa vez, em Londres, Rita calçou uma bota prateada de salto plataforma na boutique Biba, disse para a atendente que a peça estava apertada e, na ida da moça ao estoque, saiu correndo pelas ruas usando aquela que seria uma das peças mais icônicas de seu figurino. Anos depois, conta em sua deliciosa narrativa, a dona da loja se estabeleceu no Rio e ofereceu um figurino completo para um dos shows de Rita – já muito famosa. Como boa capricorniana, ela revelou a verdade para a empresária que teve um acesso de riso e continuou com o combinado.

Rita Lee estabeleceu uma cumplicidade entre a roupa e sua performance artística desde sempre. Eclética, reverenciou de Luz Del Fuego a Hebe Camargo, dos Beatles a David Bowie. Era ela quem bolava os loucos e marcantes figurinos d’Os Mutantes, das capas de LPs aos shows, muitas vezes com peças que “guardava” de acervo de programas de TV em que participava. O vestido de noiva que ela usou durante uma apresentação d’Os Mutantes no Festival da Record, no final dos anos 60, era do figurino de Leila Diniz na novela O Sheik de Agadir (Globo, 1966). Rita pegou a peça emprestada e nunca devolveu.

Aos poucos, Rita foi se descolando d’Os Mutantes e ganhando cara própria. O final da banda marcou a troca do louro nos cabelos pelo ruivo que a acompanharia até recentemente, quando resolveu assumir a cabeleira grisalha. A franja aparada de forma reta, a magreza que lhe dava contornos andróginos, as calças justas estilo Mick Jagger e os óculos redondos foram marcas indefectíveis desta figura genial do improviso, da loucura e da criação.

Rita viveu intensamente os “anos loucos” do Brasil, mesmo sob uma rígida ditadura militar. O primeiro show após sua prisão nos anos 70 foi vestida de… presidiária. Com a banda Tutti-Fruti protagonizou o surgimento da discoteca. O estilo hippie passou a dar lugar a roupas justas, cavadas e brilhantes. Foi sua mãe quem confeccionou o figurino que usou no show que deu origem ao LP Refestança (1977) com o compadre Gilberto Gil. Disco ma-ra-vi-lho-so! O lindo macacão usado na capa de Lança Perfume, um dos maiores sucessos de Rita, foi assinado por Norma Kanali e copiado assumidamente pela amiga Elis Regina em um especial da Globo.

Rita Lee estabeleceu uma cumplicidade entre a roupa e sua performance artística desde sempre.
Vi a “ovelha negra” apenas uma vez em 1998. Fui cobrir o lançamento do Acústico MTV em um cinema em São Paulo pela Gazeta do Povo. Jornalistas do Brasil todo foram convidados numa época em que a indústria fonográfica dava um respiro com o sucesso do CD e do DVD. Rita tem aquele carisma que chega antes.
Para mim, ouvir e ver a gravação daquele disco em dolby digital com a Rita respirando a alguns metros já valeram meus anos no caderno de Cultura. Não me lembro da roupa que usou naquela noite, mas quem me chamou a atenção foi uma certa ruivinha linda, super hippie chiquérrima. A digital influencer (e dispensa apresentação) Julia Petit era então namorada do Beto Lee, filho mais velho e músico de Rita. Jovens, lindos e produzidos, pareciam estrelas da gringa. Inveja da nora parte 1.
Anos depois, em 2010, muito de mau humor, redigi uma nota contando que a nora (namorada do artista plástico Antonio Lee) da Rita Lee estava promovendo um bazar para vender o acervo dela (!?). Sim, havia roupas e acessórios da época d’Os Mutantes e a moça nora da Rita vivia passeando naquele acervo maravilhoso cheio de preciosidades brecholentas. Inveja da nora parte 2.

Rita é uma daquelas mulheres admiráveis sobretudo pela inteligência. Soube envelhecer sem encaretar, mas também sem dar uma importância indevida à aparência. Não se preocupa com o rótulo de velha roqueira, mas abandonou o palco e se mantém mais reclusa. Nós nos contentamos com os primeiros três terços de sua carreira, nos quais ela nos contemplou com sua música, imagem, atitude, irreverência e estilo. Salve Santa Rita de Sampa!
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