Cheguei no salão e um cabeleireiro me perguntou: “Nossa, quem fez essa mecha aí na frente?”, “A mãe natureza”, respondi. Acontece que não pinto o cabelo para esconder os brancos. Mas agora, aos 42 anos, o gato subiu no telhado e parece que terei de tomar uma decisão. Já pensei em platinar, alourar, mechar, maquiar ou simplesmente pintar de castanho seguindo a cor natural da minha misturada etnia. Mas sei que qualquer que seja a decisão será uma fase mais dispendiosa por causa da manutenção periódica e religiosa que se estabelece – em graus diferentes dependendo da escolha do procedimento.

Posso citar várias mulheres e até amigas muito interessantes que incorporaram a tintura em suas rotinas de beleza. Mas também admiro muito uma mulher quando assume uma farta cabeleira branca, empoderada de seu status pré ou pós climatério. Já não deve mais nada a ninguém; seduzir, não precisa; competir com as outras; não pretende. E mesmo assim consegue deixar um rastro de sensualidade velada por onde passa.
Posso citar várias mulheres e até amigas muito interessantes que incorporaram a tintura em suas rotinas de beleza. Mas também admiro muito uma mulher quando assume uma farta cabeleira branca.
Pelo senso comum, homens ficam charmosos quando deixam os cabelos brancos, mas o grisalho para a mulher as deixa com aparência desleixada e cansada. Duas coisas verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É preferível que um homem deixe seus cabelos grisalhos a recorrer ao estoque de tinta acaju como o faz parte dos parlamentares brasileiros. Mas a escolha parece ter mais a ver com o tom da pele em contraste com o branco do cabelo, o que formaria um conjunto mais ou menos harmonioso independentemente do sexo.
Na caso das mulheres, deixar o cabelo branco na nossa sociedade representa passar o recibo da velhice, do fim da fertilidade, da sedução e da feminilidade. Game over! Mas será que é isso mesmo? Como jornalista já recebi vários pedidos para que eu indicasse mulheres de cabelo grisalho para serem personagens de matérias sobre esse “ousado (?) assumir”. Parece estar havendo um movimento de mulheres rebeldes como aqueles fios brancos espetados que teimam em aparecer. Elas existem sim, em menor quantidade – costumo responder aos colegas que me ligam que quando vejo uma tenho vontade de pedir o telefone para formar um estoque de fontes.

Recentemente, ajudei em um editorial de moda ainda inédito com mulheres maduras, quase todas grisalhas por opção. E me peguei pensando que ter cabelo branco não é apenas uma opção estética, mas também uma posição política. Para algumas mulheres, deixar o cabelo branco é sinônimo de libertação, autonomia e até estilo de vida. Numa cultura que supervaloriza o jovem, deixar os sinais da maturidade à mostra é de um desprendimento e de uma dignidade avassaladores.

Esteticamente, duas coisas podem acontecer ao assumir os brancos: tornar você uma figura inesquecível ou uma avó precoce. E isso depende de que mulher você construiu em torno da sua alma ao longo da vida. Enquanto vou dando adeus à melanina, tento ganhar confiança para este novo momento estético. Arrancar, não arranco! (Eles vão nascer igualmente brancos no mesmo lugar) Pintar ainda não está totalmente descartado, mas cada vez mais acho que branco é a “cor” mais quente.
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