Contra todas as perspectivas iniciais, em vez de ficarem “atrasada” por não tem aula nos últimos sete meses, minhas filhas estão passando por um salto cognitivo absurdo (psicológico já é outros 500, né?). Com a pandemia e sem aulas, elas passaram a ter uma rotina de passar algumas tardes na casa de uma das avós, ex-professora.
O que era uma tentativa de ter umas horinhas livres para trabalhar com mais foco e para as crianças se distraírem, virou um projeto ousado. A vó percebeu que elas gostavam de livros e histórias e decidiu montar um cronograma de atividades para alfabetizar a mais velha. A menor vai de carona, afinal, sempre quer participar de tudo.
Não havia nenhuma meta ou definição, mas as crianças pegaram gosto pelas aulinhas da avó, a avó relembrou o quanto gosta de ensinar (depois de anos de aposentadoria) e agora toda hora me perguntam o que está escrito em tal lugar, qual letra é essa, “com quais letras escreve querida?”.
Lembro de uma aula sobre metodologia de ensino em uma pós-graduação: a professora, pós doutora em educação, explicava que, se quisesse, era possível ensinar uma criança de 2 anos a ler e escrever. “Mas por que você vai fazer isso com ela? Depois que ela aprender, vai ler pelo resto da vida”, ela dizia.
E agora acompanho esse processo de se descortinar um mundo novo. Assim como aconteceu com o João, protagonista do livro O Menino que Aprendeu a Ver, um clássico da Ruth Rocha, publicado em 1986.
O que era uma tentativa de ter umas horinhas livres para trabalhar com mais foco e para as crianças se distraírem, virou um projeto ousado.
Na história, o menino está aprendendo sobre as letras e percebe que saber reconhecer as letras e palavras significa estar diante de um mundo diferente. Ele repara nas placas que não via até então, na frente das lojas, a indicação do ônibus, nos cartazes, no shampoo e nas pastas de dente… Ele começa a querer saber o que tanto se repete, que primeiro eram desenhos estranhos e depois passaram a fazer sentido.
“Em todos os lugares para onde Joãozinho olhava, logo logo ele encontrava”. O desenhos das letras, antes esquisitos, agora são sinais que comunicam. E isso abre um leque gigantesco para as crianças, que já não podem “desver” as letras.
Reli o livro com a filhota mais velha. Ela comemorou ao saber que, assim como o João da história, logo vai decifrar os desenhos das letras mundo afora. Peço que ela tenha calma, afinal, ainda ecoa a frase da professora: “vai ler para o resto da vida” e parece que, se de um lado chega a alfabetização, pelo outro se vai, de mansinho, a primeira infância. Ch ch ch changes!