Tal qual a sequência de Fibonacci, a amamentação bem-sucedida, bem orientada e apoiada corretamente demonstra um nível de perfeição embasbacante. Nestes dias em que se realiza a Semana Mundial de Aleitamento Materno , não poderia deixar de falar no assunto – uma vez que me é tão caro e que ainda é um tabu. Ainda!
Ainda é um tabu!!!
Tanto é que há pouco tempo uma notícia falsa sobre uma suposta lei que determinava a “proibição de amamentar em público com pena de prisão de cinco anos” girou pelas timelines alheias reforçando um preconceito que quem amamenta sente de perto. Falam (com palavras ou olhares) que esse deve ser um momento íntimo, que ninguém precisa ver, que a mãe deve ~~cobrir o filho e o peito com um “paninho”~~ ou que melhor seria se estivessem em casa.
Nas entrelinhas? Estão dizendo: “mães, fiquem em casa com seus bebês pois não as queremos nas ruas, nem vocês nem suas crias”. Ou: “não queremos vê-las amamentando porque temos problemas em encarar nossa própria infância ou nossa própria sexualidade”. Ou: “não podemos aceitar essa ~~selvageria~~ já que existem os substitutos artificiais (pó e plástico) que nos mantém acomodados na nossa civilidade e não nos escancaram o quanto somos bichos mamíferos”.
Mas amamentar é lindo, é natural, é barato, é simples, é desde os tempos imemoriais, é natural, é retratado até na arte sacra (peitos para fora, até na igreja!?).
Amamentar não é fácil. Mas nos reconecta com nós mesmas, com o poder que temos sobre o nosso próprio corpo (esse que poder que tanto nós, mulheres, reivindicamos), é a alternativa mais saudável de alimentação para o bebê e, pasmem, sai de graça. Não custa nada. Portanto, não interessa à indústria do leite artificial. Essa, das propagandas fofinhas. A indústria que – olha que coincidência estranha – é a patrocinadora dos eventos da Sociedade Brasileira de Pediatria , numa relação muito isenta, hein?
Talvez por isso (quase, com certeza, é por isso) muitas mães escutem ainda na maternidade ou nos consultórios já nos primeiros meses de vida do filho: “teu leite é fraco!”, “teu bebê tá com fome!”, “você não tem leite!”, “vamos complementar”, “teu leite secou”. Infelizmente, frases ditas sem sentido, sem um real apoio à mãe que amamenta, recheadas de mito, desinformação e que demonstram, ainda por cima, desatualização com as pesquisas mais recentes. Salvo raríssimas exceções, nenhum desses argumentos é válido (para mais, consulte: GVA , um grupo on-line de ajuda mútua para amamentação). São também ditas sem uma profunda reflexão sobre o que representa para a dupla mãe e bebê o fato de amamentar.

Para o bebê – que nos capítulos anteriores, por nove meses, havia ficado quentinho no útero da mãe, ouvindo os batimentos cardíacos e outros barulhos internos – estar no seio da genitora é sentir-se novamente seguro, perto daquilo que ele mais conhece. Para a mãe, é uma sensação única de ser capaz de nutrir uma criatura, é entender que faz sentido toda a preparação do corpo durante a gravidez, é um momento ímpar de conexão com o filho que você acaba de conhecer.
Amamentar não é fácil, repito. Exige informação de qualidade sobre o assunto. Exige apoio, exige que alguém faça a comida por você, limpe a casa, lave a roupa e receba visitas. Exige tempo, disposição, entrega, enfim. Exige, por vezes, apoio profissional, de especialistas em amamentação, que podem ajudar de forma prática. Exige entender que tem dias que o bebê vai querer ficar no peito o tempo todo, e que isso é normal. Que o bebê chora e só o peito acalma, e que isso é normal. Que com o tempo o bebê vai querer cada vez menos mamar e, um dia, muito em breve, não precisará mais de você.
Defendo a amamentação, mas entendo que ela deve ser uma escolha. Uma escolha da mãe, baseada em informações verdadeiras e não em mitos ou conselhos malfadados. A amamentação deve durar o tempo que for bom para ambos, em que mãe e bebê se sintam felizes e satisfeitos. Amamentar não faz de ninguém mais ou menos mãe (até porque isso não existe), mas faz de nós, mulheres, mais empoderadas, mais cientes do nosso próprio corpo. Nos faz mais políticas: entendendo o que é melhor para nossos filhos, passamos a lutar pelo que é melhor para todas as crianças.

Mas amamentar é lindo, é natural, é barato, é simples, é desde os tempos imemoriais, é natural, é retratado até na arte sacra (peitos para fora, até na igreja!?), na arte moderna, nas esculturas, nas tatuagens, no grafite. Em todo lugar. É saudável para o bebê, pois além de sustentá-lo, ainda faz com que receba todos os anticorpos da mãe, deixando-o mais forte. É saudável para a mãe, pois ajuda o corpo a se recuperar do parto e previne o câncer de mama, o tipo mais comum no Brasil. O leite materno é só do que o bebê precisa durante os primeiros seis meses de vida e a recomendação da Organização Mundial da Saúde é que a criança continue recebendo esse alimento até os dois anos, pelo menos.
Em tempo: lembra da notícia falsa sobre amamentar? Tanto é falsa que a situação é contrária. Existem leis, no Brasil, que preveem multa para estabelecimentos que proíbam ou restrinjam a possibilidade de uma mãe amamentar seus bebês ou para quem constranger a amamentação em local público (no Rio de Janeiro, no Paraná, em São Paulo). Ainda é estranho ter que existir uma lei que garanta algo tão básico como alimentar alguém, mas são coisas dos nossos tempos.
A torcida é para que o ato se naturalize. Para que nenhuma mãe se sinta envergonhada por alimentar seu filho, para que ninguém lance olhares maliciosos ou desnecessários, para que ninguém restrinja uma ação que deveria ser corriqueira, cotidiana. Para que as mulheres compreendam quão poderoso e transformador é o ato de nutrir seus filhos, tomar as rédeas do seu corpo e inverter a lógica comercial e machista imposta, que nos coloca como fracas ou incapazes de sustentar nossas crias.
Porque, no fim das contas, é a única coisa que a gente nasce sabendo fazer.
https://www.youtube.com/watch?v=ZUjfrXDywxw