Na segunda-feira, o Twitter esteve em polvorosa com a hashtag #SalvemBelParaMeninas, que chegou no Trending Topics e por lá permaneceu. O caso, que veio à tona após a viralização de thread de um usuário daquele site, mostra uma seleção de cenas lamentáveis de uma youtuber mirim, Isabel Magdalena, de 14 anos, que, em alguns dos últimos vídeos, parece estar sendo coagida pela mãe. Durante toda a semana, os usuários resgataram trechos de vídeos nos quais a menina do canal Bel Para Meninas transparece estar desconfortável; outros alegam que a Bel, já adolescente, ainda se comporta como uma criança. Para todos, fica claro que mãe, Francinete, que também atua nos vídeos, estaria submetendo a filha à situação vexatória.
Vi os destaques que estavam pipocando na timeline e, realmente, as cenas são de embrulhar o estômago e, do meu ponto de vista, completamente desnecessárias. Fui ver alguns vídeos do canal e perfil no Instagram da família (sim, mãe, filha e a irmã mais nova, de 5 anos, tem um perfil em conjunto) e a ojeriza se transformou em compaixão.
Para mim, fica evidente que a família começou a se expor nas redes por gosto, talvez por diversão, talvez porque o feedback dos seguidores supria alguma carência. Quando viram a possibilidade de cada vez mais monetizar o negócio, a proposta se desvirtuou e a tentativa de fazer “bombar” os conteúdos em um mar de tantos outros canais infantis e de outros assuntos.
A menina protagonista começou o canal em 2013, com 6 anos. Na época, mostrava vídeos de penteados para meninas e, em 2015, teve seu auge ainda com o conteúdo voltado para um público mais infantil. Agora, em 2020, os vídeos no canal continuam falando de assuntos mais infantilizados, como viagem à Disney, escolha de material escolar… A menina e a família encenam alguns roteiros simples e outras brincadeiras toscas, tentando dar um quê de humor para as publicações.
Infelizmente, não funciona.
Acredito que a proposta original era interessante e, sabe-se lá, mas até que poderia ser sadia. Mas, com mais de sete milhões de inscritos no canal (e mais uma série de “canais acessórios” que surgiram após o primeiro), a família deveria estar faturando consideravelmente com a monetização daquele conteúdo. Uma estimativa da Hotmart mostra que, a cada mil visualizações em um vídeo, o criador do conteúdo pode faturar até U$ 1,65. Canais com alto alcance, como o da Bel, superam os sete dígitos.
No entanto, o que fazia sucesso em 2015, talvez deixou de fazer sentido em 2020. Na ânsia de continuar faturando, parece que a família se perdeu, a mãe pesou nos comentários e “brincadeiras” que envolvem suas filhas e que estão disponíveis na internet. Lamento pelo o quê a Bel já passou até aqui. E lamento pelo que ela deve estar passando agora, uma ruptura emocional e com efeitos psicológicos inimagináveis.
No terceiro filme da franquia Meu Malvado Favorito, o vilão é um ator mirim que foi rechaçado pela crítica quando se transformou em adolescente. A comparação parece besta, mas me faz pensar que a Bel e a irmã, ainda mais nova, mais que criticadas ou responsabilizadas, precisam de apoio psicológico para enfrentar tamanha exposição e o trauma dos haters com a mãe, que, independente de agir de forma tóxica, é a referência materna delas.
Lamento pelo o quê a Bel já passou até aqui. E lamento pelo que ela deve estar passando agora, uma ruptura emocional e com efeitos psicológicos inimagináveis.
O caso chegou a ser noticiado em diversos sites e o apresentador Luiz Bacci, da Record, também fez críticas ao canal da Bel. Na reportagem exibida no programa Cidade Alerta, ele afirma que o Conselho Tutelar entrou em contato com a família. Desde que a polêmica começou, os comentários nos canais da família foram desativados. A mãe postou uma foto dizendo que não aceitaria o “ódio gratuito” vindo dos internautas e o pai das meninas enviou nota à imprensa afirmando que os vídeos são ficção.
Infância monetizada
No fim de 2019, o YouTube mudou a regra para monetização de vídeos com conteúdo voltado para o público infantil, seguindo a Lei de Privacidade Online das Crianças, ativa nos Estados Unidos, mas que afetou canais em toda a plataforma.
Uma decisão acertada, já que os pequenos são vulneráveis. O caso nos convida à reflexão: até que ponto pode ir a exposição dos nossos filhos na internet? Já me perguntei inúmeras vezes o que pode ser válido. Eu posto muitas fotos das minhas filhas pelo Instagram e o espaço, privado, tem servido como um álbum de recordações. Já tive vontade de apagar tudo: não sei como elas vão se sentir, no futuro, com a exposição. Muitas vezes, junto com as meninas, revemos fotos de alguns anos atrás, da gravidez, de quando elas eram menores. A narrativa pessoal, ali, têm importância.
Nas últimas semana, com o isolamento e as crianças sem aulas, usamos muito as chamadas de vídeo e o recurso de gravar vídeos e áudios para os amigos e familiares. Deu para perceber rapidamente o efeito desse uso no imaginário das crianças. A minha menina mais velha, que tem 5 anos, logo sentiu o “carinho” que recebia ali ou a reação das pessoas dependendo do que ela falava. Percebi que ela mudava de atitude quando estava gravando um vídeo, afetava a voz e nada mais parecia com ela mesma, com o natural. É claro: ali, ela recebi uma atenção demasiada, singularizada, que agradava o ego dela. Tivemos de diminuir a frequência, relativizar, explicar.
Claro que existem artistas mirins, talentosos e que tem esse “dom” para a exposição. Contudo, esses são as exceções, e não a regra. O caso #SalvemBelParaMeninas deve ser esclarecido mas, antes de tudo vale para todos como um alerta: vamos ensinar à crianças o afeto é antes presencial do que online. Likes e comentários são legais, mas, em geral, se resumem à vaidade. Concentre-se no real e, é claro: confira sempre o que seus filhos estão consumindo, repense e problematize os conteúdos vistos por eles e, caso produza conteúdo com seus filhos para a internet, pense bem antes de postar.