Com as filhas em casa e sem aulas – por causa de uma pandemia provocada por um vírus que causa uma seríssima doença respiratória (repito para o caso de alguém ainda não saber ou não estar suficientemente convencido) – tive de adiantar um pouco meus planos de apresentar para elas um dos meus programas favoritos da minha própria infância: Castelo Rá-tim-bum.
Pensava que elas precisavam ser um pouco mais velhas para entender (embora já mostrasse a elas alguns quadros como as músicas do ratinho de stop-motion e sobre lavar as mãos), mas foi agora, devido às circunstâncias, que elas, com 3 e 5 anos, assistiram ao seriado. Elas estão profundamente apaixonadas pela produção e entendem quase todas as histórias e quadros e conceitos. Originalmente o programa foi feito para um público-alvo na casa dos 3 a 8 anos, mas durante o tempo de exibição, possuía público de 3 a 16 anos.
A produção infanto-juvenil foi um sucesso e a fórmula, que já está na casa dos 30 anos – foi exibida entre 1994 e 1997 na TV Cultura – continua agradando. Por aqui, as baixinhas ficaram encantadas com a árvore mágica que vira castelo, com os quadro mágico, com a caixinha de música, com a Caipora, Etevaldo, Celeste, Adelaide, Mau, Godofredo, Nino e as crianças.
A mais velha assiste a cada explicação do Tíbio e do Perônio atenta e depois comenta comigo durante o almoço: “mãe, meu corpinho agora vai fazer a digestão”. A mais nova tem um pouco de medo quando surge algum novo personagem, mas logo depois diz, aliviada: “ufa, esse era bonzinho!”.
Os conceitos explicitados no programa ajudam a explicar o mundo para as crianças e ampliam o horizonte sobre como era “antigamente”: sem celular, sem internet… Talvez, se começasse a ser exibido hoje, entraria na lista esquizofrênica de “doutrinação comunista”. Como fruto dos anos 90, o programa traz diálogos que falam sobre deficiência na infraestrutura de serviços (falta luz, o telefone não funciona), trata de questões ambientais (no início dos anos 1990, tratar do assunto era vanguarda), dá uma leve pincelada nas questões de gênero (embora repita alguns clichês do senso comum, como a paixonite que a Penélope provoca).
O enredo, que mistura ciência e mística, é muito informativo; realmente esclarecedor para as crianças.
Comparando com produções mais atuais, o Castelo ganha porque a atuação dos personagens é mais teatral, riquíssima e cômica em muitas passagens. O enredo, que mistura ciência e mística, é muito informativo; realmente esclarecedor para as crianças. Os conceitos pedagógicos sobre cidadania, matemáticas, artes… podem superar qualquer tentativa de EAD para a educação infantil em tempos de pandemia (contém ironia. Um pouco, mas não muita).
Rever os episódios me fez ver que muitas das minhas referências da infância são do programa. Embora tenha uma trama muito infantil, o programa traz muita informação e trata de assuntos muito pertinentes: funcionamento do corpo humano, relacionamentos, valores, cuidados com o meio ambiente, amizade, contato com o diferente/a novidade, apresenta poesias de importantes autores brasileiros. A narrativa não subestima a inteligência das crianças, pelo contrário, parece trata-las com respeito.
Castelo Rá-tim-bum foi um sucesso, um dos maiores índices de audiência já registrados na TV Cultura, na época. Em 2014, o programa voltou a ser exibido e a audiência aumentou 67% no horário, ou seja, continuou arrecadando fãs. A produção conta com muitos “efeitos especiais”, sofisticados para a época mas que hoje soam ingênuos. Contudo, para as crianças, não há diferença nenhuma. Acredito que a mistura de quadros, sequências e formatos (bonecos de fantoche, bonecos de espuma, pessoas fantasiadas, etc) o deixa com uma dinâmica que não envelhece.
A série está disponível no canal próprio, no Youtube, onde já conta com mais de 47 milhões de visualizações. Além dos 90 episódios, uma série de vídeos mostra momentos icônicos da história, bastidores, episódios especiais, os disfarces do Dr. Abobrinha, as poesias e quadros isolados. Toda a memória do programa está registrada lá.
Em julho 2014, o Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, em parceria com a TV Cultura, realizou uma exposição em comemoração aos 20 anos de estreia do seriado. Recriar os ambientes do Castelo foi sucesso absoluto e a mostra ficou aberta ao público até fevereiro de 2015. Entre março de 2017 e fevereiro de 2018, no Memorial da América Latina, novamente a exposição ficou disponível. Em ambas, foi sucesso de público, gerou filas e ingressos esgotados. Ao todo, mais de 980 mil pessoas passaram pelas exposições.
A história rendeu livros, peças teatrais, musicais e até um filme, lançado em 1999. A produção foi exibida em outros 16 países além do Brasil. Ganhou prêmios e o coração de um geração inteira. E, nos últimos dias, ganhou o coração de duas crianças ávidas, que já se referem ao Castelo para tudo, não querem parar de assistir. Por aqui, vamos seguir maratonando a doce lembrança.