No início do mês, Beyoncé (diva pop, linda, maravilhosa, arrasante, grande cantora) publicou a foto mais curtida da história do Instagram: a imagem, que já soma mais de 10 milhões de coraçõezinhos, mostra que ela está grávida.
A foto – questões estéticas à parte – foi o jeito de a celebridade anunciar que espera por gêmeos. No domingo passado, ela se apresentou na 59ª edição do Grammy. A roupa usada e o estilo da apresentação garantiram destaque à sua condição atual.
Como se diz por aí, “a internet foi à loucura” com as aparições de Beyoncé esperando bebês. Fãs e não tão fãs elogiaram/admiraram/comentaram a presença daquela mulher grávida ocupando um espaço que é o dela mesmo. Mas não se enganem. As grávidas não estão tão naturalmente assim em todos os lugares.
Lembro-me bem o que pensei durante a primeira gestação: eu realmente fiquei intrigada para saber por onde andam as grávidas. Onde elas se escondem? Fora em locais óbvios como cursos para gestantes, sala de espera do obstetra e lojas de artigos para bebês, era raro eu encontrar com uma grávida na rua, andando no calçadão, no supermercado, na feira, no teatro, no cinema, no restaurante ou no bar (ok, sei que algumas mulheres de fato sofrem com enjoos e mal-estar durante esse período, mas será que é a maioria?).
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“Onde estão as grávidas desse mundo?”, eu pensava. Estamos ultrapassando a marca de 7 bilhões de pessoas no mundo e com quantas grávidas você se depara no seu cotidiano? Com quantas você convive? Você cedeu seu lugar no ônibus para alguma delas nos últimos meses? Porque estamos tão desconectados da forma como chegamos ao mundo?
Esse afastamento, esse assombro com a gravidez, gera um efeito cascata devastador: não nos conhecemos, não reconhecemos a forma como nascemos, convivemos pouquíssimo com grávidas e mães, não reconhecemos suas demandas, não nos sensibilizamos com a violência obstétrica, medicalizamos o parto, não respeitamos a amamentação, repetimos o falacioso ditado “quem pariu Mateus que o embale” e vamos criando uma sociedade cada vez menos humana.
A gravidez é um momento único e especial. Gerar uma vida requer mudanças físicas e psicológicas, mas elas estão longe de ser incompatíveis com a vida, o trabalho, o estudo e os círculos de convívio, em geral. Sabe aquele outro ditado que diz que “gravidez não é doença”? Pois, de fato não é. Assim como não é coisa de outro mundo ou que mereça olhares tortos ou comentários desnecessários. Eu sei que você viu poucas grávidas ao longo da vida, mas, da próxima vez que encontrar com alguma, contenha-se e seja apenas gentil.
Naturalizar a gravidez e o que vem com ela – no pacote: preparo para o parto, respeito às decisões de cada núcleo familiar, responsabilidades (pela criança e pela infância) compartilhadas – parece ser um caminho irrefutável.
Não sei se foi azar ou se pareço pacífica demais (sim, cara de boba), mas fui vítima de despautérios tão gritantes que… se pensar bem, nem dá pra acreditar, como a vez que uma desconhecida me abordou, no centro de Curitiba, para dizer “que aquilo não era hora de uma grávida estar na rua”.
Eram 20h e eu voltava do trabalho para casa, sem nenhuma intercorrência até então. Já temos que lidar com os muitos anos de patriarcado, que subjuga e diminui o que é feminino; ainda precisamos reafirmar que, se estamos grávidas, não estamos à margem ou fora do padrão.
O padrão estético, aliás, é mais um vetor que desequilibra essa equação: as curvas do corpo da mulher grávida fogem completamente à qualquer medida “aceitável” pela moda, pela mídia. Mesmo que, reforçando a ideia central: todo mundo no mundo veio de uma mãe que ficou grávida. Eu só tive coragem de fotografar a barriga nos acréscimos do segundo tempo, na segunda gestação, mesmo que, aqui com meus botões, me achasse maravilhosa naquele “novo” corpo.
Me regojizo ao ver a Beyoncé grávida e mostrando com orgulho a condição, cultuando a força da mulher e suas capacidades, infinitas. Aguardo que a inspiração contagie outras celebridades e outras grávidas mundo afora. Naturalizar a gravidez e o que vem com ela – no pacote: preparo para o parto, respeito às decisões de cada núcleo familiar, responsabilidades (pela criança e pela infância) compartilhadas – parece ser um caminho irrefutável.
Em tempos de luta pela igualdade de gênero, não dá mais para ver a gravidez como uma fraqueza ou algo para envergonhar-se. Se você admira ou aplaude a diva do pop, repita esse olhar para a grávida mais próxima. O mundo agradece.
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