Outro dia, uma conhecida comentou comigo:
– Pesado, né? Pandemia com criança em casa, sem aula, sem perspectiva…
Concordei meio sem pensar e segui adiante o dia. Logo em seguida, veio a mais nova interrompendo as tarefas e me dizendo, muito (mas MUITO) brava, já meio gritando:
– Mamãe, eu estou tão nervosa e com tanta raiva acho que eu preciso ser “amorzada”.
– Como que faz isso, filha?
– Me abraça bem apertado que ajuda!
Quase liguei para a minha amiga para dizer que tinha acabado de mudar de ideia: conviver com as crianças nos força a brecar a dura realidade, são como um bálsamo diante do desespero.
Até porque, embora elas “pesquem” uma ou outra informação sobre o que vivemos, na maior parte do tempo estão fantasiando mundos maravilhosos onde a água das piscinas é como o arco-íris e já há 10 vacinas para cada unicórnio. “Ter crianças na pandemia é como estar dentro de A Vida é Bela”, li na internet.
Tão leve quanto as brincadeiras das crianças é a obra Jacaré, não, escrita por Antonio Prata e ilustrada por Talita Hoffmann (Editora Ubu, 2016). Com poucas frases e ilustrações primorosas, o livro provoca gargalhadas de soluçar (nas crianças e nos adultos, confesso).
As crianças riem com brincadeiras simples e a finesse do livro está em elencar situações absurdas envolvendo o bicho jacaré – que por si só já é meio absurdo.
As crianças riem com brincadeiras simples e a finesse do livro está em elencar situações absurdas envolvendo o bicho jacaré – que por si só já é meio absurdo: vive na água, na terra, tem um pouco de peixe, um pouco de dragão e um pouco de lagarto (ou talvez absurdo seja o medo que eu tenho desse bicho).
A narrativa simples chama atenção: pode parecer estranho, mas há muitos livros infantis mal escritos, com frases truncadas e histórias complexas demais que não chamam tanta atenção dos pequenos.
É claro que há livros maravilhosos, como os tantos dos quais já escrevi aqui. Parece que há uma parcela do mercado editorial infantil que é feita para “preencher tabela”. Como se as ilustrações estivessem lá e alguém precisasse preencher os espaços com histórias, que nem sempre fazem sentido, não são interessantes e que costumam deslizar para o moralismo puro e simples.
Além de não chamar atenção das crianças, ainda limita a criatividade, pois tudo já está posto e é meio óbvio.
Jacaré, não é a nata da narrativa infantil. Simples, rápido, engraçado e sutil. O cronista já famoso pelos textos para os adultos acertou no alvo elencando situações corriqueiras para as crianças e colocando no meio do caminho o réptil, sorrateiro e fora de contexto.
Até que o embaraço se desfaz e o Jacaré está no rio, que é onde deve ficar.
JACARÉ, NÃO | Antonio Prata
Editora: Ubu Editora;
Ilustração: Talita Hoffmann;
Tamanho: 48 págs.;
Lançamento: Outubro, 2016.