Dizem que é auspicioso falar sobre feriados em feriados; parece que a lembrança ou o desejo de dias de folga se atraem. Neste em que os católicos comemoram o corpo de Cristo, vale falar sobre um outro, que também trata da carne, mais de forma mais profana, o Carnaval. Não que as comemorações dionisíacas desta época do ano sejam minhas preferidas, mas porque na última vez em que o calendário marcou estes dias, pude comprovar que qualquer lugar – mas qualquer lugar mesmo – é lugar de criança.
Diz a lei da física que a qualidade da matéria inviabiliza que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, mas o carnaval é prova que vários corpos – de diferentes cores, tamanhos, tipos, classes sociais e idades – podem conviver bem próximos um do outro em harmonia. Imagine isto em um festival multicultural, onde as pessoas passam cinco dias acampando.
O que te vem à mente? “Cabelo ao vento, gente jovem reunida…” e um bebê!?
Com a única certeza de que posso – e devo – levar minha filha aonde quer que seja (tanto para que ela conviva em sociedade, quanto para que a sociedade conviva com crianças), nos dirigimos ao Psicodália, evento realizado no interior de Santa Catarina. E lá estava ela, então com oito meses de idade e quatro dentes.
O carnaval é prova que vários corpos – de diferentes cores, tamanhos, tipos, classes sociais e idades – podem conviver bem próximos um do outro em harmonia.
Parece uma ideia torta, dessas que se tem certeza que algo vai dar errado. Pode soar inconsequente por motivos óbvios. Mas foi uma decisão acertada. Pais e filha se divertiram, ouviram boa música e puderam aproveitar o tempo lado a lado. Desfaça a ideia de sofrimento ou impossibilidade de fruir o evento. É claro que adaptações foram necessárias para que a felicidade geral da nação fosse mantida.
Com uma rotina que inclui duas sonecas diárias e quatro refeições saudáveis, tivemos de prever: ela dormia uma soneca do dia na barraca e outra no nosso colo, usando os carregadores de bebês junto ao corpo para não cansar braços e coluna. Levamos toda a comida que ela precisaria para não ter imprevistos. Para assistir aos shows ou fazer trilhas também usamos esse expediente. Onde haveria música em volume alto, um chumaço de algodão para proteger os ouvidos da pequena.
Vi outras mães e pais carregando seus bebês e uma delas comentou que estava com vários pais e filhos. Cada noite, quando as crianças já dormiam nas barracas, os adultos revezavam entre a guarda do sono dos pequenos e aproveitar os shows. Tem um provérbio que diz que é preciso uma vila inteira para cuidar de uma criança. Sim, isso é preciso inclusive no festival de música.
O bebê dormiu menos do que dormiria em casa; comeu menos do que comeria em casa. Mas, sem traumas, com pouco choro, vendo e convivendo com gente diferente, interagindo com as pessoas – pra mim, este é o maior aprendizado possível para os humanos. Talvez ela tenha feito bem para algum estranho, afinal, distribuiu sorrisos e fofurices de bebê por todo o lado. Talvez tenhamos conseguido pela personalidade aparentemente tranquila deste bebê em questão. Com certeza ela não vai lembrar que esteve lá.
Com certeza me sinto tranquila por partilhar e aproveitar a vida ao lado de minha filha. Longe de mim defender que todos façam isso, afinal, acredito que o tempo e as atividades longe dos filhos também são necessários. Mas acredito, também, que é preciso desfazer o estigma de que diversão para os pais é algo inversamente proporcional de diversão para os filhos. No Psicodália, outras crianças aproveitavam o espaço amplo para correr e brincar. Até programação específica para os pequenos havia. Bom ver que há quem compartilhe desse pensamento porque temos de lutar por espaço e diversão para todos, independente do ano de nascimento. Por mais opções acessíveis para todos, digamos sim.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.