Era tempo de férias escolares e eu estava decidida a deixar que minhas filhas experimentassem o tédio e que, com ele, inventassem brincadeiras. Na “vida real”, com aulas e cursos e horários e compromissos, sobra pouco tempo para não fazer nada ou para aproveitar o jardim.
Acontece que – não sei se pela idade das meninas, 5 e 3 anos, ou pelo andar da carruagem – elas ainda não sabem brincar sozinhas. Têm um quintal à disposição: com grama, terra, árvore, desníveis que formam convidativas poças… Mas elas não sabem brincar no jardim.
Me vi pegando as peças de plástico para mostrar a elas que dava para brincar de fazer “bolo” de terra, brincar com a lama… E as crianças, em choque, nunca tinham visto nada igual.
E, para elas, não foi natural me acompanhar nesse empreitada. Não sei se porque fui muito cuidadosa, muito super protetora (ahhh, as culpas maternas) ou se porque a fruta não cai muito longe do pé: quando criança, eu era mais dos livros e tevê do que das atividades mais radicais.
Como faremos essa transição para que nossos filhos construam também relações sólidas e duradouras, sendo que convivem tão pouco com o outro?
Embora não fosse meu gosto pessoal, eu sabia que as aventuras existiam. Estavam ali, no quintal, no roubar algo da despensa para brincar de laboratório, via o que a criançada da rua fazia, acompanhava a movimentação dos clubinhos de ciência (ainda existem? Ainda dissecam abelhas para observá-las com uma lupa?).
Agora, sinto que as crianças estão isoladas. Minhas filhas têm uma à outra e têm os colegas da escola, é claro. Tem outros amigos e primos, mas com os quais o contato é limitado porque a periodicidade dos encontros fica cada vez mais espaçada.
E na rua, não tem crianças. Tem um menino que mora na casa ao lado, que só vi uma vez. E que nunca o ouço. No resto da quadra, não tem crianças. Na casa da frente, não tem crianças. Mora um coleguinha da escola a cerca de 100 metros daqui, mas ele só pode brincar com o avô.
Tentei até pelo WhatsApp, com a mãe da coleguinha da escola preferida: “olha, um dia vamos combinar, traz tua menina aqui para passar uma tarde…” e nada.
Tudo bem, na situação contrária, eu provavelmente também daria uma resposta evasiva, afinal, como eu vou deixar minha filha ir na casa de um desconhecido!?
Vejo agora, refletida em minhas crianças, as desconexões das relações. Nós, adultos, nos contentamos com os relacionamentos e amizades sustentados à base de aplicativos e redes sociais.
Mas como faremos essa transição para que nossos filhos construam também relações sólidas e duradouras, sendo que convivem tão pouco com o outro? Sei que talvez esteja me antecipando, afinal, ainda temos vários anos de infância pela frente e também não sou dessas do “retorno aos tempos de antigamente”, credo. Mas é que vivenciar essas mudanças geracionais é, no mínimo, motivo para muitas reflexões.
Até porque é por meio das brincadeiras que as crianças descobrem o mundo, raciocinam sobre os relacionamentos, desenvolvem empatia, enfim, aprendem e crescem. Brincar é essencial, fundamental para o desenvolvimento motor e psicológico. Minhas filhas brincam bastante, mas eu queria que brincassem ainda mais, que esquecessem de tudo quando brincam, que se entregassem sem medo às poças de lama e ao insetos do quintal. Sinceramente, não sei como será essa descoberta sem um grupo de outras crianças por perto.
Em tempo, a salvação (!?)
Desde que ingressei nesta nave louca que é a maternidade (desculpa, estou escrevendo enquanto vejo o BBB e lembro do Bial), procurei fontes de informação que me ajudassem na jornada. Especificamente sobre o brincar e a necessidade do lúdico, já comentei, em outras oportunidades, sobre o documentário Tarja Branca que trata sobre o caráter revolucionário das brincadeiras e também sobre uma mobilização internacional que acontece em maio, quando grupos pró-infância celebram e relembram a necessidade do brincar.
Além dessas reflexões, consulto sempre um site chamado Tempo Junto. Desde que as meninas eram bebezinhos, as atividades propostas pelas organizadoras me ajudam a aprender a brincar para poder ensinar a brincar e deixar brincar. Em vídeos e tutoriais, centenas de atividades, para crianças pequenas e grandes. Vale a visita!
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