Entre os mamíferos e animais em geral, o ser humano está entre os que nasce mais despreparado. Enquanto outros bichos precisam de poucos dias ou semanas de convívio com adultos da mesma espécie para aprender a sobreviver ou já nascem sabendo se locomover, a perpetuação da nossa espécie depende de uma longa e íntima relação entre o filhote e seu cuidador, que chega a durar anos. Dizem os estudos que foi essa característica que nos forjou como sociedade e que, a longo prazo, permitiu o desenvolvimento e a evolução humana (não que estejamos lá muito evoluídos, mas…).
A natureza, em sua grandiosidade e sapiência própria, não imaginaria que milhões de anos depois de tanto processo evolutivo, seria possível sentir vergonha alheia com campanhas publicitárias repetitivas, homenagens fracas e frases prontas e de “efeito” para serem copiadas na internet no dia em que se convencionou homenagear uma das peças chaves do desenvolvimento humano.
Não que essa festividade seja recente: deusas da fertilidade, que dão ênfase à maternidade, são recorrentes em diversas tradições desde a pré-história, como a Vênus de Willendorf, a mais famosa delas.
Jarvis, que ficou conhecida como patrona do Dia das Mães, curiosamente, lutou contra a comemoração anos depois da sua criação. Ela ficou furiosa com a rápida e crescente comercialização em torno da data e logo percebeu que as homenagens haviam perdido o sentido.
Relatos mostram que na Grécia Antiga e em toda Ásia menor já havia uma celebração para Rhea, que na mitologia é a mãe dos deuses. Uma das imagens mais fortes do Império Romano é da loba Capitolina, escultura de bronze que mostra o animal amamentando os gêmeos Rômulo e Remo. De acordo com a lenda, eles foram os fundadores de Roma. A tradição judaico-cristã também reverencia as figuras de Eva e Maria.
Mas a convenção de comemorar o Dia das mães no segundo domingo de maio é do início do século passado e se mentem em países como Estados Unidos, Japão, Canadá, Brasil, Austrália, Bélgica, Turquia, Itália, entre outros. Foi a norte-americana Anna Maria Jarvis, ligada à Igreja Metodista, que, dois anos depois de perder a própria mãe, passou a criar grupos de mães e festas para homenageá-las. Ela lutou para que a data fosse reconhecida e, nos Estados Unidos, a data foi transformada em feriado em 1914. No Brasil, alguns grupos religiosos passaram a adotar a data, mas foi em 1932 que o Dia das mães entrou no calendário oficial.
Jarvis, que ficou conhecida como patrona do Dia das Mães, curiosamente, lutou contra a comemoração anos depois da sua criação. Ela ficou furiosa com a rápida e crescente comercialização em torno da data e logo percebeu que as homenagens haviam perdido o sentido. Também, pudera. A data tem grande apelo comercial. Depois do Natal, é o dia mais esperado pelos lojistas, no Brasil e nos Estados Unidos, por causa do aumento nas vendas.
Não precisa de “lembrancinha”
Culturalmente, o dia é de dar um presente para a mãe. Estamos sendo bombardeados pela publicidade para não esquecer disso. Lá em casa, era o dia em que ela fingia dormir até mais tarde para dar tempo de os filhos acordarem e prepararem o café – o que ela fazia em todos os outros dias. Não quero diminuir o esforço daqueles que fazem um mimo para as mães, mas precisamos de mais. Talvez lembrar da Jarvis que gostaria que, em pelo menos um dia no ano, o trabalho infatigável de quem cuida do desenvolvimento das crianças (e aí tomo a liberdade de incluir pais biológicos e adotivos, professores, avós, babás) fosse reconhecido.
E reconhecer esse trabalho não é rotular essa tarefa como a de super-herói, que nunca falha: isso é massacrante, porque há, sim, erros e tropeços. Mas precisamos compreender e até adotar em nossos afazeres diários a indefectível vontade e perseverança de recomeçar de quem cuida de uma criança.
O reconhecimento também vem quando a sociedade abraça as causas maternas. Então temos de entender que esses assuntos dizem respeito a todos nós, como sociedade. Um presente para sua mãe é pensar em todas as outras mães e então trabalhar para que a exista atenção de qualidade às gestantes e que assistência ao parto que seja humanizada. Lutar para que as creches e escolas sejam dotadas de estrutura e qualidade. Exigir que os espaços públicos e privados ofereçam livre circulação e apoio para mães e crianças. É preciso empatia com mães e crianças, deixa-las amamentar em paz, não julgar e acolher. Assim, todas as mães seriam presenteadas.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.