Até o dia 5 de maio o Teatro José Maria Santos, que fica no Centro de Curitiba, recebe a temporada gratuita do espetáculo Dezembro, da Armadilha Cia. de Teatro. A obra tem texto do dramaturgo chileno Guillermo Calderón e direção do curitibano Diego Fortes.
Inicialmente, a peça estreou no Festival de Curitiba, algumas semanas atrás. Na época, inclusive, foi a única peça a ser encenada dentro do Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC-PR). Agora, ela aumenta sua oferta ao público acontecendo sem cobrança de entrada.
Abaixo, vamos dar algumas impressões sobre o que vimos no palco. É bom dizer que existem alguns pequenos spoilers, mas nada que atrapalhe a experiência de quem ler e for conferir ao vivo.
O que vos espera
O pano de fundo de Dezembro é uma realidade fictícia, mas que consegue parecer muito próxima. Não sabemos o ano, nem quem são os presidentes, mas sabemos que o Chile está em guerra contra o Peru e a Bolívia.
Os personagens que guiam a trama são 3 irmãos: Jorge (Alan Raffo), Paula (Fernanda Fuchs) e Trinidad (Ludmilla Nascarella). Desde o começo, passamos a saber que eles compartilham divergências em relação à guerra em que se encontra seu país.
De início, vemos que Jorge é um soldado recém convocado que se encontra num dilema: tem que escolher entre seguir o conselho de Paula e ir para o front como um “verdadeiro patriota” e defender seu país, ou, aceitar a opção de fuga que Trinidad o oferece e fazer o possível para se livrar da guerra. Mesmo com um certo pé atrás, ele resolve lutar.
Os diálogos que seguem e embalam o drama giram ao redor dos horrores físicos e psicológicos da guerra, além do contexto social-político fictício, que vai nos dando chão para entender a complexa e dramática vida destes personagens.
A guerra não é como vocês imaginam
Depois de alguns minutos, parece que estamos lá, de olhos fixados nestes 3 elementos que discutem efeitos nocivos de uma espécie de 1984 latino-americano. O contexto que nos apresentam parece tão nocivo e complicado que casa perfeitamente com os nossos pesadelos políticos.
Afinal, quem já leu 1984, sabe que, por trás de cada página, sempre há aquela sensação de “não estamos tão longe disso”.
Também vamos conhecendo o passado de Jorge, Paula e Trinidad. Como é seu passado, como foram construindo suas opiniões e divergências, como foi sua vida compartilhada. Tudo isso, recheado de mensagens e memórias emocionadas, além de uma boa carga de piadas e comentários ácidos de claro humor negro.
Ora de forma implícita, ora mais abertamente, discutem questões como xenofobia, homossexualidade, violência, solidariedade, exclusão. Estas problemáticas sempre ecoam, mesmo que no fundo, nos eventos da trama e constituem uma parte da espinha dorsal do texto.
Ora de forma implícita, ora mais abertamente, discutem questões como xenofobia, homossexualidade, violência, solidariedade, exclusão.
Nada, porém, é exposto assim de forma panfletária, óbvia ou mal-acabada. Parece que esses temas estão inseridos no próprio âmago dos personagens, de forma que cada questão torna-se sincera, parte de sua história.
O formato da peça contribuiu para que essas questões pudessem formar um bom caldo. Todos os acontecimentos de Dezembro se dão, basicamente, num mesmo espaço: uma mesa de jantar onde reúnem-se Jorge, Paula e Trinidad conversando sobre os eventos de sua vida, opiniões, sonhos, perdas e lástimas.
Assim, como se fosse uma adaptação mais complexa e distópica das clássicas discussões sobre política na mesa do almoço de domingo, a peça nos coloca no meio de um drama familiar norteado por crises que muitos de nós conhecem bem: diferentes visões entre bem e mal; certo e errado; violência e paz; amor e ódio.
Nesse ponto, também vale dizer que não são apenas os diálogos que tornam essa peça tão pertinente. O espetáculo conseguiu, encontrar um bom equilíbrio entre elementos técnicos, composicionais e dramáticos, fazendo com que a drama fosse amplificada através cenário simples e atuações fortes.
No fim, Dezembro é uma peça necessária porque consegue com inteligência, drama, humor, lágrimas e sorrisos, nos colocar inseridos numa situação que, mesmo fictícia, parece rodeada de problemas com os quais somos amedrontados atualmente.
A peça, de exibição gratuita até o dia 5 de maio, foi realizado pelo Projeto de Apoio e Incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba.
SERVIÇO | Temporada gratuita de ‘Dezembro’
Quando: 18 de abril a 5 de maio, quinta a domingo às 20h (sessão extra aos sábados, às 18h);
Onde:Teatro José Maria Santos, Curitiba/PR;
Quanto: Gratuito, ingresso retirado uma hora antes.